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De um filme
De um filme
“Crimes de família”, drama cinematográfico argentino, conta a história de uma mulher que se sacrifica para tirar da cadeia seu filho. Na trama ela vê-se obrigada a vender seu próprio apartamento para pagar o advogado. O marido, contrário à venda separa-se dela. Tudo isso para descobrir, ao final, que as coisas eram bem piores do que imaginava.
O filme faz pensar sobre os seres que geramos e a independência deles em relação a nós. Mais que isso exalta as diferenças entre pais e filhos, sejam nas convicções, sejam quanto aos modos de ser, ou ainda, nos caminhos escolhidos para viver. Fato é que a educação e princípios transmitidos aos filhos nem sempre vigoram no futuro de cada um deles.
Ainda bem que, na grande maioria dos casos, as relações ente pais e filhos, embora tensas em muitas situações, mantenham-se graças ao amor existente entre eles. Mas, sabemos de casos nos quais nem mesmo o amor e a fraternidade logram relações bem sucedidas. Ao assistir “Crimes de família” lembrei-me de um caso no qual o esgarçamento das relações entre pais e filhos atingiu o limite máximo.
Conheci o Vargas quando veio à minha casa, trabalhar nos negócios de meu pai. Era então um homem de trinta e poucos anos, recém saído da penitenciária. Meu pai, sabe-se lá por quais razões, entendera que o tempo na prisão tivesse agido no sentido de recuperar a índole do Vargas. Além do que o sujeito se casava muito bem com a necessidade do funcionário de que meu pai estava à procura. Não será demais lembrar de que muitos ex-detentos se dão bem ao serem reincorporados ao mercado de trabalho.
Creio que, para mim, a verdadeira identidade de Vargas se revelou num dia de grande movimento no negócio de meu pai. Naquela ocasião houve um momento em que uma soma de dinheiro ficou sobre a mesa. Vi, então, Vargas se aproximar da mesa, operando-se nele grande transformação. A visão do dinheiro provou alteração de seu semblante. A face iluminou-se, com súbito rubor. Jamais me esquecerei da face daquele homem ao se ver diante de algo que o transformara. Era a índole do criminoso que ali se revelava em toda a sua extensão, fato que, na época, me escapava por completo.
Aconteceu dias depois quando fizemos curta viagem. Ao sairmos de casa meu pai recomendou ao Vargas que cuidasse de tudo até o nosso retorno. Ele cuidou com tal zelo que reencontramos a casa saqueada: durante a nossa ausência o Vargas e seus cumplices levaram tudo o que puderam.
Vargas era filho de um casal de nossos conhecidos, moradores de outra cidade. Foragido da polícia certa noite foi ter à casa de seus pais que dormiam no momento de sua chegada. Em vão o pai suplicou à mulher que não abrisse a porta. Mas, era o filho dela, como não o atender?
Pressurosa a mãe recebeu o filho. Com ele entraram outros marginais que saquearam a residência. Para Vargas inexistia a noção de mínima reverência a seus pais: fora, apenas, roubá-los.
Não dá para generalizar
Tudo bem, não dá para generalizar, vamos partir disso. Entretanto, parece que hoje em dia os relacionamentos entre pais e filhos se tornaram, digamos, mais ágeis. Você não acha?
Até poucas décadas as relações entre gerações careciam de mais objetividade. O amor era disfarçado. Filho homem beijar pai? Ambos ficavam sem jeito. Repito: não dá para generalizar. Mas, vi e vivi isso na minha casa e fora dela. Entre pais e filhos instalavam-se certas barreiras com tanta naturalidade que até pareciam ser mesmo naturais.
Hoje em dia vigora um novo acordo. As relações tornaram-se mais próximas, talvez porque o próprio mundo tenha se desnudado. Essa loucura da informação instantânea, a obviedade do sexo que já não é escondido, a publicidade dos erros, enfim toda a parafernália resultante da revolução tecnológica parece ter remetido às sombras alguns preconceitos.
Certa vez ouvi meu pai contar a um amigo que o pai dele, meu avô, costumava vir do interior a São Paulo e hospedar-se num hotel do centro da cidade. Meu pai vinha com ele, às vezes. Acontecia de meu avô deixa-lo no hotel à noite e sair para resolver “negócios”. Já rapaz meu pai sabia bem a natureza dos “negócios” noturnos de meu avô. Nunca se permitiram uma palavra a respeito, aliás pouco se falavam. Amavam-se em silêncio.
Não é que me intrometo em assuntos ‘proibidos” da vida dos meus filhos? Não dá para generalizar, mas hoje em dia as relações são mais abertas.
Penso na permanência de tabus, embora desgastados. De todo modo não me surpreendeu o que vi no filme “Advogado” estrelado por Robert Duvall e Robert Downey Jr. Duvall é um juiz cujo filho - Downey - é advogado. Circunstâncias anteriores estabeleceram pontes intransponíveis entre pai e filho. No dia da morte da mãe Downey comparece ao enterro e as barreiras com o pai são reativadas. Mas, o juiz acaba por se meter numa confusão ao ser acusado de atropelar e matar um homem a quem condenara à prisão no passado.
Ser aceito pelo pai como seu advogado e defendê-lo torna-se uma travessia. Não existe entre os dois homens pontos de apoio confiáveis. Mais que nunca o abismo entre pai e filho pauta o andamento das ações.
Nunca privei com meu pai maiores intimidades. Era a regra do jogo. Não dá para generalizar, mas acho que hoje em dia as cosias andam bem mais amenas.
Pais e filhos
Quase nada há para se acrescentar quando o assunto é a relação entre pais e filhos. Esse “quase nada” seria mesmo apenas “nada” não fossem as ações despropositadas de pais criminosos que chegam ao cúmulo de matar diretamente ou se envolver na morte de seus filhos. Agora mesmo corre um caso acontecido no Rio Grande do Sul onde o menino Bernardo foi assassinado pela madrasta, havendo dívidas sobre a participação do pai.
Filho é filho e ponto final. É assim, também, entre os animais. Nesta semana uma girafa deu à luz a uma girafinha num zoológico dos EUA. A foto da mãe carinhosa, encostando a cabeça na filha emociona. Agora o zoológico inicia uma campanha pedindo sugestões de nomes para serem dados à girafinha. Uma graça.
De Saigon, Vietnam do Sul, chega a notícia de ex-soldado norte-americano à procura de filho que teve com uma jovem vietnamita. Fica-se sabendo que ao final da retirada dos EUA do Vietnam soldados deixaram muitos filhos resultantes de suas relações com mulheres locais. Essas crianças não eram bem aceitas pelos vietcongs dado serem filhas do inimigo. Eram levadas por parentes para viver em florestas até as coisas esfriarem. Quanto ao ex-soldado ele pretendia se casar ao final do conflito, mas inesperadamente se viu retirado do país. Depois disso nunca mais soube da namorada, nem do filho que não chegou a ver nascer.
Passados 40 anos o ex-soldado finalmente localizou o filho que fora trazido aos EUA e criado por pais adotivos. Consta que muitos dos soldados que combateram no Vietnam retornaram aquele país em busca de seus filhos, havendo casos de reencontro.
Na ligação entre pais e filhos existe algo que ultrapassa os limites da compreensão. Trata-se do amor em sua forma mais pura. Brigas e discussões sempre são permeadas por recaídas de afeto. Por essa razão não dá para concordar quando se taxa como animal o comportamento de pais que matam seus filhos. O fato é que nem entre os animais esse comportamento é comum. Quem dúvida que observe os cuidados que os pássaros têm com os filhotes, trazendo comida que introduzem em seus bicos. Ou um casal de leões cercados pelos leõezinhos.
Enfim, a vida é bela.