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A força da democracia
É o sistema republicano e democrático instituição capaz de resistir a toda sorte de achaques e intempéries?
A história nos ensina que não. Instituições em geral sobrevivem com apoio de maiorias e as várias infra-estruturas que as sustentam. Um rápido voltear de cabeça em direção ao passado dos países nos revela alternâncias de regimes, quando não a insolvência de governos que não se sustentam tamanhas as dimensões de seus erros. Atrás das ações errôneas dos homens ficam as oscilações da economia, o descaso por fatores como a educação e a saúde, o uso da força, os golpes de Estado e até os extremos de perseguições e torturas. Nós, brasileiros, conhecemos bem os regimes ditatoriais e sabemos quanto nos custou o período democrático que agora vivemos.
Retóricas da ordem da utilizada no parágrafo anterior podem não ajudar muito, mas têm valor enquanto constatação. Não será demais lembrar que a história republicana em nosso país não serve como modelo ilustrativo do emblema de ordem e progresso inserido na bandeira nacional. A República de 1889 nasceu de um golpe cujos resultados foram mais devidos à caducidade do regime monárquico que à ação dos republicanos em si. A Revolta da Armada, a Revolução Federalista, a Revolução de 30 e o golpe militar de 1964 são apenas fatos maiores que despontam na trajetória de um regime que se afirmou à base de parâmetros nem sempre democráticos.
A essas apressadas considerações sou levado pelo espanto de presenciar, diariamente, o verdadeiro descalabro em que se converteu a atividade política nos altos escalões da República. Não se respeita o país e a democracia; vaidades pessoais são colocadas acima dos interesses maiores do país. Trava-se uma luta intestina entre pessoas eleitas pelo voto popular, luta essa que tem como meta exclusiva a posse do poder e a distribuição das benesses dele decorrentes.
Até aí, nenhuma novidade, lê-se isso nos jornais diariamente. Entretanto, existe algo que se impõe: são a manutenção da democracia e a capacidade do regime atual absorver as fantásticas agressões que se praticam contra ele. A história não se repete e há quem diga que lições do passado não se aplicam a outros momentos históricos cujas circunstâncias são obrigatoriamente diferentes. Existem, também, os que acreditam na força e estabilidade da economia, além de não identificarem na população brasileira forças capazes de se articular em torno de ações extremadas ou não.
Tudo, portanto, muito lógico, a democracia está sobrevivendo, o país não está na UTI e assim por diante. Então por que se preocupar? Pois, o que me move é dizer que eu e muita gente já vimos esse filme. De fato, já assistimos a filmes como esse e não será exagero afirmar que sabemos bem no que tudo pode dar.
As sucessivas crises relacionadas à presidência do Senado paralisam os trabalhos daquela casa trazendo enormes prejuízos para o país. Em nome de salvar um só homem – e não é a primeira vez que isso acontece - e as possíveis alianças partidárias visando as próximas eleições coloca-se a coisa pública num limbo em que o marasmo decisório é a tônica das ações.
Avança o disse-não-disse, essa verdadeira maldição na qual se atola a classe política. Quanto a isso, o episódio de momento é a acusação da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, de que a ministra Dilma Roussef pediu a ela para concluir rapidamente a investigação que o Fisco fazia nas empresas da família Sarney. Em resposta, Dilma veio a público, dedo em riste, negando o fato. Vai daí que o presidente da República olvida a importância de seu cargo e sai ao campo sucessório desafiando a ex-secretaria a provar que existiu a reunião entre ela e a ministra.
Existe quem não veja qualquer glória em nossa história. Creio que mesmo essas pessoas concordem que o país não merece o que está acontecendo. Nós não merecemos que a imagem do Brasil seja maculada e torpedeada pela trupe dos maus atores que deixam de lado os papéis que a eles confiamos para entregar-se a delírios de poder.
Como canta Caetano Veloso: alguma coisa está fora da ordem…
Alguma coisa precisa ser feita e depressa, tomara que nada que coloque em risco a democracia.
Cidadãos Acima de Qualquer Suspeita
Em recente discurso o presidente do Senado, defendendo-se de acusações de nepotismo, alegou seu passado de honra e serviços prestados à República na qual, inclusive, ocupou a presidência. Discurso duro de quem acredita no que está falando e, mais que isso, sente-se justificado. A República deve a ele, portanto.
Em suma, o tom das palavras do presidente do Senado propõe-se a lembrar a nação que de não se está a acusar qualquer um: é a um ex-presidente que se está cobrando, a ele querem atingir maculando o seu passado.
Curiosamente o atual presidente da República logo em seguida veio a público referendar as palavras do presidente do Senado, conferindo a ele irrestrito apoio.
Existe, pois, entre nós uma hierarquia de erros e faltas ao que parece baseada em pelo menos dois critérios: o grau de gravidade das faltas e a importância da pessoa que as comete. Assim, faltas consideradas desimportantes dentro de contexto maior e cometidas por pessoas acima de qualquer suspeita não merecem qualquer tipo de reprovação.
No Brasil vigora uma lógica perversa de interpretação de fatos. Ao cidadão comum fica cada vez mais difícil discernir entre o certo e o errado. Episódios como esse envolvendo o presidente do Senado só contribuem para confundir ainda mais a noção de valores da população.
Para os mais velhos talvez seja mais fácil entender o que está acontecendo; aos mais jovens nada disso serve como exemplo de conduta.