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Para que serve o passado?
Afinal, para que serve o passado?
Tempos atrás vi acontecer uma tremenda discussão entre dois professores de História. Estávamos numa mesa de restaurante falando sobre as coisas inúteis de sempre quando entre os dois professores instalou-se a dúvida sobre a importância do passado.
Um dos professores defendia a idéia de que o passado não tem importância, ainda mais quando o historiador se detém sobre fatos pontuais acontecidos nessa ou naquela data. Para ele a história não se repete, as lições que poderia oferecer carecem de valor porque não há como separar acontecimentos das circunstâncias que os geraram e dos homens que ao seu tempo neles atuaram. Daí ser esse professor de opinião de que mais valem os estudos sobre longos períodos que podem mostrar tendências, nisso filiando-se ele a uma das vertentes da historiografia francesa.
Já para o outro professor a sua profissão careceria de sentido caso não se voltasse para o passado. Para ele o passado é o objeto da história, qualquer que seja a abordagem escolhida para o seu estudo. Dizendo que há muito a aprender com homens e acontecimentos de tempos idos concluiu o professor não compreender como o seu colega poderia exercer o seu ofício junto a estudantes sem considerar a importância do passado.
Embora as evidentes interseções das duas posições, o fato é que cada um dos postulantes acabou enveredando para posições que se confundiram sem que, entretanto, abrissem mão de suas colocações originais. Assim, a discussão não deu em grande coisa e os presentes ficaram bastante aliviados quando o assunto foi encerrado e pode-se voltar aos temas inúteis de sempre.
Lembrei-me da discussão entre os dois professores de história ao reler uma entrevista que o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda cedeu ao jornalista Homero Senna, tendo por tema o modernismo. Infelizmente, não foi possível precisar a data da exata da entrevista, embora tenha sido concedida por Sérgio entre os anos 1944 e 1949.
Durante a entrevista Sérgio Buarque de Holanda falava sobre o tradicionalismo quando afirmou que o culto à tradição e o amor do passado pelo passado é infecundo e negativo sob o ponto de vista social e político. Para ele o passado como simples espetáculo não interessa. Disse ainda o sociólogo:
“Creio que é de Goethe a frase de que a função da História é libertar-nos do passado. Nada mais certo. O conhecimento da História nos liberta do passado, nos faz conhecer melhor o presente e nos prepara para encarar sem preconceitos o futuro. Mas, “o passado pelo passado” é uma espécie de “arte pela arte”, capaz de estorvar todo e qualquer progresso”.
Embora retirada do contexto em Sérgio Buarque falava sobre o tradicionalismo e o conservantismo, as observações acima sobre o passado são pertinentes, fato que leva discussões do tipo “para que serve a História” a outros patamares.
Deixo o assunto inconcluso. Existem obras inteiras de destacados historiadores que tratam desse tema. A verdade é que só falei sobre isso para lembrar que existem pessoas a quem agrada muito ouvir vozes do passado para retirar delas algo que sirva, como disse Sérgio Buarque, para conhecer melhor o presente. Pessoas com esse tipo de hábito costumam ler obras antigas, ainda que por simples curiosidade. Esse é o caso do livro “República das Letras”, de Homero Senna, publicado pela Livraria São José, Rio de Janeiro, em 1957. O livro, certamente esgotado, será talvez encontrado em sebos. Quem o encontrar poderá se deliciar com entrevistas de vários expoentes da cultura brasileira, cedidas antes dos anos 50. Entre os entrevistados figuram nomes como os de Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e José Américo de Almeida, entre outros.