Revolução Cubana at Blog Ayrton Marcondes

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Cuba

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Nunca tive vontade de conhecer Cuba. Após o Bloqueio Continental imposto pelos EUA a ilha passou por maus pedaços. Sem para onde recorrer passou a depender dos russos. Em plena Guerra Fria Cuba sempre foi uma pedra nos sapatos dos americanos.

Nos anos sessenta um grupo de teatro amador do interior paulista encenou peça sobre a revolução cubana. O dramaturgo era um frei que não só escreveu o texto como escolheu e conduziu atores amadores no palco. A peça louvava Fidel, Che e outros dos valentes de Sierra Maestra. Fulgêncio Batista, ditador e lacaio dos americanos, fora derrubado por jovens entusiastas e corajosos que arriscaram suas vidas pelo povo cubano.

O frei atuava num mosteiro no qual, por coincidência, eu conseguira licença para passar as tardes, estudando. Na época preparava-me para o vestibular. Vez ou outra o frei dramaturgo vinha ter à minha sala e conversava comigo. Incomodavam-no momentâneas faltas de inspiração para prosseguir com seu texto. Nessas ocasiões o frei costumava propor-me situações, pedindo sugestões sobre o encaminhamento da trama. Mas eu, rapazote, jamais consegui ajudá-lo. Faltava-me, na época, a compreensão de que, na verdade, o dramaturgo jamais esperou que eu lhe dissesse qualquer coisa. Meu papel era o de um ouvinte com quem ele podia raciocinar em voz alta.

A peça sobre os cubanos fez sucesso e foi apresentada em várias cidades do interior. Numa delas estava presente o dramaturgo e teatrólogo Joracy Camargo que muito elogiou o trabalho de toda a equipe. Mas, com a Revolução de 64 o tema da peça se tornou inadequado e as encenações foram encerradas.

Semana passada sentou-se à minha frente um amigo que acabara de visitar Cuba. Na estadia em Havana fez questão de ir à Sierra Maestra. Falou-me de sua admiração por Guevara e disse não se importar com Fidel. Trouxe, pendurada num fio ao pescoço, uma moeda cubana com a imagem de Guevara.

Insistiu o amigo sobre a minha necessidade de conhecer Cuba. Falou-me sobre a propaganda negativa dos americanófilos em relação a ilha. Contou-me sobre a música, a comida e a gentileza do povo cubano.

Não sei. A conversa aguço-me a curiosidade. Quem sabe.

Fidel

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No início doa anos 60 do século passado Fidel Castro já era o vitorioso de Sierra Maestra quando desalojara Fulgêncio Batista do poder em Cuba. Governava a ilha, situada a apenas 150 km dos EUA, e inspirava intelectuais e jovens em todo mundo.  O filósofo Jean Paul Sartre, acompanhado de Simone de Beauvoir, passara um mês na ilha. A invasão da Baia dos Porcos em 61 e a Crise dos Mísseis em 62 levaram ao rompimento dos EUA com Cuba e à decretação do Bloqueio Continental contra a ilha. Rapidamente, Fidel transformara-se num ícone da esquerda em todo o mundo, estreitando-se as relações de Cuba com o governo soviético.

Fidel já visitara o Brasil no governo de Juscelino Kubistchek, mas não me lembro de ter dado maior importância à Revolução Cubana. Entretanto, um episódio viria a chamar a minha atenção para o que se passava na ilha. Na época preparava-me para futuros exames vestibulares. Morando no interior e não dispondo em casa da tranquilidade necessária ao estudo, consegui permissão para passar algumas horas do dia no claustro de uma ordem religiosa. O espaço a mim reservado era uma cela na qual havia uma mesa e uma cadeira, nada mais. Reinava ali o mais absoluto silêncio, condição ideal para quem se dedicava à compreensão da matéria a ser exigida nas provas.

Entretanto, vez ou outra era eu interrompido pela presença de um frade. Vinha ele cheio e dívidas e me propunha questões para as quais eu não estava apto a opinar. Na época o frade escrevia, justamente, uma peça cujo tema era a Revolução Cubana. Em certas partes da trama faltava ele talvez inspiração para as falas das personagens. Não me recordo de pelo menos em uma única vez ter contribuído para ajuda-lo em sua empresa.

Foi desse modo que ouvi falar sobre Fidel, Raul, Guevara, Cienfuegos e outras personagens da revolução. De todo modo o frade - de cujo nome não me recordo - completou a peça que foi encenada por um grupo de atores amadores. A peça fez sucesso, passando por várias cidades. Se não me falha a memória o dramaturgo Joracy Camargo assistiu a uma dessas apresentações e elogiou o trabalho de toda a equipe.

Anos depois me encontrei com um dos atores da peça. Disse-me ele que o grupo ficara ligado até 1964 quando o golpe militar colocou fim ao regime democrático no Brasil. Depois disso e com o perigo de identificação com qualquer coisa que sugerisse comunismo a peça não foi mais encenada. Fidel era, notoriamente, marxista-leninista. O governo militar pós-64 rompera relações diplomáticas com Cuba e Fidel ajudava revolucionários no Brasil, na Argentina e na Venezuela.

Não se pode negar a Fidel ter sido um calo nos pés dos americanos cuja política imperialista vigorava fortemente sobre o bloco latino-americano ao tempo da Guerra Fria. Sua atitude de desafio frente a um adversário infinitamente mais poderoso é digna de nota. Por aqui fomos direcionados a não simpatizar com Fidel sempre apontado como um perigo para democracia e a liberdade.

O tempo e a história julgarão melhor a personagem que hoje desaparece.

Ainda e sempre Cuba

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O câncer de Hugo Chávez abre perspectivas econômicas a Cuba, segundo se noticia. Explica-se que caso Chávez viesse a morrer a ajuda econômica da Venezuela a Cuba cessaria e os cubanos teriam que abrir as portas para o comércio internacional, fazendo negócios mesmo com países que professam ideologias diferentes. Recorde-se que em 2010 a ajuda venezuelana representou cerca de 3% do PIB da ilha.

Aos que admiram Cuba nunca importou muito que a revolução de Fidel Castro contra o regime de Fulgêncio Batista tivesse descambado para o isolamento do país, ditado pelo bloqueio econômico imposto pelos EUA. O alinhamento de Cuba com a Rússia e a ideologia professada pelos irmãos Castro e seus seguidores foi mais que suficiente para seduzir esquerdistas em todo o mundo. Assim, Cuba converteu-se num símbolo de resistência política e ideológica contra o imperialismo norte-americano ainda que isso representasse grande soma de sacrifícios à sua população. Atrás do símbolo erigiram-se heróis, destacando-se a figura de Che Guevara, ainda hoje exemplo de rebelde que levou o estranhamento com o imperialismo às últimas consequências.

Por outro lado as críticas ao regime cubano avolumaram-se ao longo dos anos, destacando-se o atraso do país, a ditadura de Castro, a falta de liberdade e as condições de vida na ilha.  Entretanto, tais críticas não se mostraram suficientes para abalar a opinião de grande parte dos simpatizantes do regime cubano. Mesmo entre nós, graças à polarização ideológica nem sempre superada, o assunto ainda desperta discussões acaloradas. Cuba permanece como símbolo de resistência e ponto final.

Nem sempre foi fácil entender a posição dos que simpatizam com Cuba, devendo-se reconhecer o exaustivo trabalho da propaganda contrária ao regime, sempre incapaz de citar qualquer vantagem ligada ao isolamento do país. É nesse sentido que vale a pena ler um texto do escritor argentino Julio Cortázar no qual ele esclarece a sua posição em relação à Cuba e ao imperialismo norte-americano. O texto é de 1969 e busca responder a perguntas formuladas pela Revista Life. Cortázar desde logo avisa que desconfia de publicações norte-americanas, como a própria Life, dado que elas, consciente ou inconscientemente, estão a serviço do imperialismo norte-americano. Segundo ele o capitalismo norte-americano se serve dessas publicações para os seus fins últimos entre outros o de colonização da América Latina. Diz:

“Hoje sabemos que a CIA pagou revistas que falavam muito mal da CIA, um pouco como a Igreja Católica tem sempre um setor avançado que se arremete contra encíclicas e concílios”.

Cortázar declara que seu ideal de socialismo não passa por Moscou, mas nasce com Marx para projetar-se na realidade revolucionária latino-americana, “realidade esta com características próprias, com ideologias e realizações condicionadas por nossas idiossincrasias e necessidades, que hoje se expressa historicamente em fatos tais como a Revolução Cubana, a guerra de guerrilhas em diversos países do continente e figuras de homens como Fidel castro e Che Guevara”. A seguir Cortázar expõe sua visão crítica sobre o socialismo latino-americano e diz rechaçar o prolongamento, em longo prazo, de estruturas revolucionárias.:

“Meu humanismo é socialista…; se não aceito a alienação que o capitalismo exige para atingir os seus fins, muito menos aceito a alienação derivada da obediência a aparatos burocráticos de sistemas revolucionários”.

O artigo de Cortázar faz parte de publicação recente cujo título é Papeles Inesperados, publicado em espanhol pela Alfaguara. Existe uma edição em português, Papéis Inesperados, publicada pela Civilização Brasileira. Dado ao ano em que foi escrito – 1969 – o texto não avança sobre o prolongamento da Revolução Cubana, justamente um dos pontos combatidos por Cortázar em relação a processos revolucionários. Mas, o texto do escritor argentino estabelece, com precisão, as razões pelas quais a simpatia como regime cubano ganhou tantos adeptos ao longo dos anos. Ao humanismo socialista e mesmo posições mais extremistas agregou-se a aversão à inquestionável supremacia norte-americana sobre o continente latino-americano, despertando justas reações contra o imperialismo praticado por aquele país.

Cuba: traição entre irmãos

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Estão aí as notícias sobre Juanita Castro, irmã de Fidel e Raul, que acaba de confessar ter sido agente da CIA. Ela escreveu um livro sobre o assunto que está sendo lançado com muito aparato: o título é “Fidel e Raul, Meus Irmãos - A História Secreta”. Por enquanto o livro está em espanhol e dando o que falar.

Também por esses dias vi nos jornais uma foto de estudantes cubanos jogando flores ao mar em homenagem ao herói nacional Camilo Cienfuegos, um dos líderes da revolução que depôs o ditador Fulgêncio Batista. Cienfuegos morreu precocemente num acidente de avião que desapareceu no oceano.

Confesso que de vez em quando tenho vontade de falar alguma coisa sobre Cuba, mas evito e escolho outro assunto. Acontece que sempre estive entre os que olharam a Revolução Cubana com ceticismo, não a Revolução propriamente dita, mas seus desdobramentos. Essa posição causava-me problemas em conversas com amigos porque se desenvolveu uma idolatria por Cuba, Fidel Castro e os outros, idolatria essa que no meu modo de entender cegava um pouco aqueles que amavam tanto a Cuba.

Creio que isso fica bem claro quando se trata de Che Guevara, mitificado que é, símbolo de resistência e liberdade em que foi transformado. Che virou o homem das camisetas, dos filmes que lotam sessões, do americano do hemisfério Sul que se opôs ao imperialismo ianque. Daí que sobre Che não existem dúvidas, ele é um herói e pronto. Se foi mesmo o herói que se supõe creio que nunca saberemos, mas estão aí as fotos dele morto após ser executado, magro e sofrido, cabelos longos, espécie de Jesus Cristo que foi imolado para que pudéssemos ter o continente que temos.

Entretanto, não é bem sobre Cuba e a Revolução que quero falar, nem sobre aquelas pessoas que visitaram a ilha e voltaram de lá contando maravilhas sobre um país que mantém uma frota de carros dos anos 50, tal o reflexo do bloqueio econômico imposto pelos ianques ao governo de Fidel.

Quero me referir ao modo como a Revolução Cubana entrou na minha vida. O fato é que nessas minhas andanças por esse mundo certa vez conheci um capuchinho que se dedicava a escrever peças de teatro. A grande criação dele foi uma peça sobre a Revolução Cubana, encenada por um grupo de jovens que se vestiam com as fardas dos revolucionários chefiados por Fidel.

Se bem me lembro, na peça Cuba era apresentada como um país governado pelo ditador Fulgêncio, sempre em acordo com os interesses norte-americanos. Os jovens que se reuniram em Sierra Maestra e fizeram a Revolução eram idealistas e libertaram o país de um regime de opressão. O enredo não tinha, com se observa, grandes novidades que ficavam por conta da trajetória de cada um dos principais revolucionários, todos eles candidatos a heróis que se tornariam ao vencer a Revolução.

A peça foi exibida em algumas cidades do interior, sempre com sucesso. Tempos depois foi inscrita num concurso de teatro amador em São Paulo, sendo honrada com o primeiro prêmio. Na ocasião um membro do júri - conhecido dramaturgo cujo nome infelizmente me escapa – referiu-se elogiosamente ao trabalho do capuchinho e ao desempenho dos rapazes por ele dirigidos.

Infelizmente a carreira de dramaturgo do frei e a própria peça foram encerradas no dia 31 de março de 1964, data da revolução que depôs o presidente João Goulart e deu início aos governos militares. Com a direita no governo falar em Revolução Cubana tornou-se perigoso, daí o encerramento das atividades do pequeno grupo teatral.

Vem desse fato a minha simpatia por Cuba e sua Revolução. Ainda hoje, sempre que leio algo sobre Fidel, Raul, Guevara, Cienfuegos e outros, eu os vejo como jovens idealistas fazendo uma revolução em cima de um palco, revolução sem consequências, sem dor, sem miséria, sem opressão, revolução redentora que termina com as palmas do público.

Talvez por isso eu tenha tanta dificuldade em falar sobre Cuba e prefira imaginar uma revolução que de fato não houve, uma peça de teatro escrita e dirigida por um frei que a mão de ferro do Estado Brasileiro teimou em silenciar.