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O novo Sherlock Holmes
Se você estiver em Londres, tomar o metrô e descer na estação de Baker Street, provavelmente encontrará, em plena rua, algum homem alto, fantasiado de Sherlock Holmes: casaco de inverness, boné estilo caçador, cachimbo em curva, compondo a tradicional imagem do detetive criado pelo escritor Conan Doyle. Na verdade esse personagem estará ali para convidá-lo para uma foto juntos, naturalmente cobrando por isso.
O Sherlock Holmes vivido por Robert Downey Jr. rompe com a tradição cinematográfica dos Sherlocks a que estamos habituados. Não há nada de convencional no novo Sherlock que não tem nenhum pudor em emprestar o ritmo frenético do modo de ser do século XXI à personagem ambientada na Londres de fins do século XIX e inícios do século XX. Na verdade, a nova personagem parece confundir-se muito com o ator, Robert Downey, por natureza inquieto e para quem o tempo parece sempre a esgotar-se.
A dose de futuro aplicada a Sherlock Holmes confere a ele aspectos da modernidade que não pode ser encontrada nas narrativas de Doyle. O novo Sherlock amplia características do original, levando-as a um paroxismo aventureiro que pareceria deslocado na época em que a personagem foi criada. A prática do boxe, o manejo da esgrima e a agilidade tornam-se superlativas no novo Sherlock, detetive que alia seus fenomenais dotes dedutivos, arrogância e conhecimentos incomuns em várias áreas do conhecimento a crises existenciais, mormente entre um caso e outro, quando não está trabalhando.
Renovado, também, está o Dr. Watson, médico companheiro de Sherlock, anteriormente apresentado como biógrafo do detetive e homem algo inexpressivo. O Watson vivido por Jude Law deixa para trás arquétipos anteriores da personagem. Se mantém a aura de ex-combatente no Afeganistão, transformou-se num ágil protagonista que luta ao lado de Sherlock, ainda que contra a sua própria vontade. O novo Dr. Watson é um homem em permanente crise de identidade: quer se casar, afastar-se de Sherlock, mas é traído pela sua preocupação com o amigo e pelo chamado de aventuras ao qual não consegue resistir. É a sina dos homens de ação que cobra a Watson a sua participação nos crimes que Sherlock procura desvendar.
A trama de “Sherlock Holmes” é linear. As idas e vindas da trama ficam por conta do mistério que cabe a Sherlock desvendar. O vilão é Lord Blackwood (Mark Strong) um mestre de ocultismo que tem planos de dominar a Inglaterra e o mundo. São as suas diabruras que desafiam a lógica de Holmes. Blackwood serve-se de uma auxiliar, Irene Adler (Rachel McAdams), ladra e amor antigo de Holmes. O filme ganha muito com efeitos especiais que conferem maior dramaticidade à ação.
Sherlock Holmes é um bom filme, atendendo ao que dele se espera: diversão e distração com uma boa história. Se não chega a empolgar, tem o mérito de renovar as narrativas cinematográficas de histórias de detetives. Da forma em que foi engendrado, o filme se presta à continuidade: um novo detetive está na praça, com características marcantes e capazes de atrair o grande público. Se assim acontecer será revivida a trajetória de Connan Doyle, sempre a publicar novas histórias do detetive que criou até se cansar e matá-lo em 04/11/1911, após uma luta feroz com um de seus inimigos. Na época os protestos de leitores contra Doyle por matar Holmes foram tantos, tão violentos, que ele se viu obrigado a ressuscitar a personagem. Sherlock Holmes reapareceu em 1913 em nova aventura, sempre morando em sua casa, no número 211B da Baker Street, de onde, pelo jeito, nunca se mudará, saindo ocasionalmente para viver novas aventuras.
O Solista
Joe Wright, o diretor de “O Solista” (The Soloist) apoiou-se na música de Beethoven para conferir grandeza à loucura de Nathanael Ayers, interpretado por Jamie Foxx. As lindas cenas aéreas da cidade de Los Angeles são exibidas ao ritmo das músicas do compositor alemão.
Não é a primeira vez que o cinema utiliza como ingredientes a genialidade musical e a loucura, compondo personagens que nos transferem uma tremenda sensação de desperdício de talento. É como se Deus ensinasse a um homem como voar para logo depois cortar as suas asas, deixando-o incompleto e perdido num labirinto mental do qual jamais poderá sair.
E é bem isso o que acontece a Ayers, talentoso jovem músico que chega a frequentar a prestigiosa escola de Juilliard, de Nova York, mas que não completa o curso porque é esquizofrênico. A partir daí Ayers passa a viver nas ruas, entre mendigos, eventualmente tocando violino e violoncelo.
Robert Downey Jr. interpreta o colunista Steve Lopez, do jornal Los Angeles Times, que casualmente encontra-se com Ayers e vê nele a chance de publicar boas matérias. É Steve Lopez quem narra a história do seu relacionamento com Ayers. Ao narrador em primeira pessoa compete conduzir o espectador na investigação do passado de Ayers recompondo o mundo da sua infância e o longo processo que culmina no aparecimento da esquizofrenia. Para isso, Lopez segue Ayers interessando-se cada vez mais por ele. Entre os dois estabelece-se a forma de relação possível entre um jornalista em busca de assunto e um esquizofrênico nem sempre conectado à realidade.
O grande erro de Lopez reside nas suas infrutíferas tentativas de “normalizar” Ayers como se ao amigo esquizofrênico pudesse ser devolvida a razão. Ayers se liga afetivamente a Lopez, mas não pode satisfazer às expectativas do novo amigo que o quer morando num quarto limpo e estudando música: os velhos fantasmas que habitam a consciência de Ayers continuam ativos pronunciando-se repetidamente nos momentos mais estressantes. Essa a razão pela qual fracassa um recital de Ayers para um público seleto que se reúne para vê-lo: Ayers entra no palco, mas é impedido pelas mesmas vozes que o atormentaram no passado, levando-o a um comportamento colérico e violento que encerra a apresentação mesmo antes de seu início.
Ayers não pode ser curado. A Lopez resta o meio termo entre ajudar o músico e aproveitar-se dele para se promover em sua profissão.
Há quem tenha achado “O Solista” um filme maravilhoso. De fato, há beleza e sensibilidade na trama conduzida por Joe Wright. É emocionante a cena em que Lopez dá a Ayers um violoncelo e ele começa a tocar uma música de Beethoven, debaixo de um viaduto e concorrendo com a ruído dos carros que passam. São também interessantes os recursos narrativos utilizados por Wright que desliza da narração em primeira pessoa de Lopez para situações do passado de Ayers, exibidas em flash back.
Entretanto, há no filme algo que não convence, algo de superfície que não chega a se interiorizar. Se Donwney Jr. está bem como Lopez o mesmo não se pode dizer de Foxx como Ayers. A atuação de Foxx é tecnicamente perfeita, irrepreensível, porém com alguns altos e baixos no tocante ao seu envolvimento com a personagem que interpreta. Foxx talvez não seja um ator de primeira escolha para interpretar um esquizofrênico e isso diz tudo.
“O Solista” leva o espectador, em muitos momentos, a achar que assiste a um grande filme. Entretanto, essa impressão se desvanece principalmente quando o diretor se empenha em “situar” Ayers dentro do mundo sórdido das ruas cheias de mendigos ou no abrigo onde vivem deficientes mentais. A tentativa de impactar o espectador com uma realidade à qual não está habituado e o contraste entre a sensibilidade e a sordidez dos meios frequentados por Ayers não fogem aos clichês comumente utilizados em obras do gênero.
Ayers e Lopez são personagens reais que Wright levou para a tela, talvez exagerando em sua tentativa de reprodução da realidade. Nem sempre o mundo real e a própria realidade se afinam por inteiro com a sétima arte, exigindo dos diretores de filmes algum esforço extra de imaginação para que fatos cotidianos não contaminem demais o aspecto ficcional do cinema.