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Aniversário de São Paulo

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Aquele orgulho de conquistar um espaço na cidade grande continua em pé. Ele sempre fez parte de um orgulho ainda maior, representado pela existência de uma cidade como São Paulo, justamente em nosso Estado.

Cidade grande é imã, atrai gente, concentra negócios, gera oportunidades, exclui e integra dependendo da garra de quem a encara. Quem nasceu em São Paulo, o paulistano, tem histórias a contar. Quem veio de fora e deu um jeito de se sentir paulistano também tem muitas histórias. São Paulo é um mar de histórias interminavelmente continuadas no dia-a-dia do movimento das gentes, na velocidade dos carros que detonam o asfalto, nas favelas, nos ambientes chiques, na vida humana que se distribui por todas as regiões da cidade.

Ei, você se lembra de como via a cidade com os seus olhos de menino? Era mais acanhada, mais provinciana, talvez ciosa do valor que iria mostrar nas décadas seguintes, mas ainda contida como se revelasse alguma inveja das grandes metrópoles do mundo. Os bondes corriam nos trilhos, o comércio chique espalhava-se nas das ruas do Triângulo e arredores, descendo pelo Viaduto do Chá, espraiando-se na Barão, na Sete de Abril, um pouco em torno da Praça da República, do lado em que fica a Av. Ipiranga. Que ano? Sei lá, vá lá o final dadécada de 50 e início da de 60 quando as pessoas usavam ternos, ainda que mirrados, quando não um simples paletó, marcas registradas de outra ordem de coisas, atestados de civilidade e respeito, pujança de cidadania Nesse tempo a Rua São Bento era… ah, a Rua São Bento. Não havia o metrô, nem sonho dele na cidade que crescia e a Rua São Bento terminava em solo firme, sem as escadarias do metrô, defronte o Mosteiro de São Bento, fazendo par com a Rua Líbero Badaró, como ainda é hoje.

Eu andei por lá, você andou por lá, quem sabe parando um pouco no Largo do Café ou esticando até a esquina da Praça do Patriarca. Ali, bem na esquina da praça havia uma loja da Casa Fretin onde se viam, através dos vidros, toda a sorte de equipamentos médicos à disposição dos consumidores. Você se lembra?

Depois São Paulo mudou, os ternos foram para os cabides, as mulheres ousaram mais com suas roupas de tempos de rebeldia, o comércio elegante saiu do centro para sediar-se nos modernos shoppings centers e a vida tornou-se outra.

Então, agora que a cidade completa mais um ano de sua gloriosa existência, agora que não existem mais os restaurantes e cinemas de ontem na região do Largo do Paissandu, eu me pergunto por que falei justamente sobre os lugares que acabo de citar e não de outros. Por que a minha memória não correu atrás da Av. Paulista, do Bom Retiro, da Lapa, de Pinheiros, de Higienópolis e tantos outros lugares com tantas ruas interessantes por onde passamos?

Ora, é que para mim São Paulo sempre será o Velho Centro como o glamour de suas lojas e casas de comércio. Quanta dor quando o vimos em decadência até se transformar no que é hoje, só um centro de cidade com milhares de pessoas correndo como se não fossem a nenhum lugar, um centro que seria como outro qualquer, não fossem as memórias, as ruas de sempre, os itinerários que amamos e tudo aquilo que se tornou parte de nós e das nossas vidas.

É para o Velho Centro que dirijo os meus mais efusivos abraços no mês em que São Paulo comemora mais um aniversário. Alegra-me pensar que não estou sozinho ao agir desse modo: existem por aí centenas, milhares de pessoas, que percorreram caminhos semelhantes aos meus, amaram e amam como eu aquelas ruas.

Parabéns São Paulo. Vida nova ao Velho Centro.

O barbeiro português

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Hoje é domingo e deu-me na telha contar a história - ou a desdita – de um barbeiro/cabeleireiro português.  

Quando o conheci São Paulo era São Paulo. Ou melhor: o centro era o centro, os homens usavam ternos e as mulheres tailleurs. Havia a Exposição na Praça do Patriarca e a Rua São Bento era chique com suas lojas elegantes. Mais para baixo, atravessando o Viaduto do Chá em direção à Barão de Itapetininga, ficavam o Mappin e as galerias, hoje tão depreciadas. Ah, a rua Barão, a Sete de Abril, o Largo do Paissandu, velha, velhíssima São Paulo.

O barbeiro era filho de portugueses, gente do interior de Portugal que atravessara os mares para tentar a sorte no Novo Mundo. Ele nasceu no Rio de Janeiro e foi batizado com o nome de português, Manuel, Joaquim ou outro nome que você quiser dar a ele – aliás, desde já considere-se convidado para apadrinhá-lo.

Os pais do futuro barbeiro retornaram a Portugal e com eles o filho pequeno que viveu no país além mar até os 17 anos de idade, ocasião em que decidiu vir para o Brasil. Consta que morou nas redondezas do Largo do Machado e trabalhou num salão ao lado do palácio do Catete. Ainda moço foi chamado em palácio para fazer o cabelo do então presidente Juscelino Kubistcheck que tornou-se seu cliente até mudar-se, com todo o governo, para Brasília.

Um dia o barbeiro português veio passar um fim-de-semana em São Paulo. Quis a sorte que nessa ocasião conhecesse a portuguesa que seria sua mulher e com a qual teria filhos.

Radicando-se em São Paulo o barbeiro participou de alguns negócios, embora continuasse sempre em sua profissão. Não chegou a fazer fortuna, mas amealhou bens com a participação da mulher cujo espírito empreendedor sempre destacou.

Envelheceram assim até que a prolongada doença da mulher os separou. Viúvo, filhos criados, entendeu o barbeiro acertar as coisas passando em cartório suas posses aos filhos. Houve quem o aconselhasse a pensar melhor, esperar um pouco, mas era a sua intenção e assim foi feito.

Tristeza e solidão na cidade grande encaminham qualquer um para encontros fortuitos que podem se prolongar em relações duradouras. Aconteceu ao barbeiro, cerca de um ano após a morte da esposa, conhecer uma mulher, pouco mais nova que ele. A relação entre os dois despertou a ira dos filhos que, como é comum nesses casos, passaram a acusá-lo de tê-la como amante mesmo antes da morte da mãe.

Aborrecido, o barbeiro largou tudo e foi morar no interior. A namorada não vive com ele, vez ou outra se encontram. Está ele agora, mais de 70 anos e idade, começando de novo o seu negócio num pequeno salão onde se cortam cabelos a preços populares. Quanto aos filhos, não procuram pelo pai.

O barbeiro português me odiaria se soubesse que escrevi sobre ele. Para a minha felicidade ele não usa computadores, não lê blogs e assim por diante. Escrevi como aquelas pessoas que enviam correntes, esperando que a sorte as faça cair na caixa postal de pessoas interessadas. Quem sabe, por um capricho do destino, um dos filhos do barbeiro acabe lendo esse texto. Se isso vier a acontecer informo que o seu pai está muito sozinho e sofre pela ausência dos filhos. No dia dos pais ele esperou em vão por vocês, por qualquer sinal de reconhecimento a ele. Mais: ele jura que não tinha amante antes do falecimento da mãe de vocês coisa não tão difícil de verificar.

Que me perdoem, ou não, pela intromissão.