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Da utilidade dos segredos
A quem confiar um segredo, assunto que pertence a você e a mais ninguém?
Em primeiro lugar há que se ponderar sobre a irresistível necessidade de cumplicidade. Poucas pessoas guardam algo exclusivamente para si, as coisas parecem ficar mais fáceis quando existe um ouvido amigo pronto para compartilhar um segredo. O problema reside justamente na discrição do tal ouvido amigo que, não raramente, conta o que ouviu a alguém de sua extrema confiança.
É assim que os segredos deixam de sê-lo e confidências ultrasecretas caem no domínio de pessoas que se conhecem. Exemplos existem e são muitos. Um bastante conhecido e rotineiro é o que se relaciona ao sexo: dizem que as conquistas masculinas não têm muito sentido se o conquistador não tiver a quem contar as suas façanhas. Aliás, sobre isso existe a velha piada do cidadão que se perde numa ilha com uma mulher famosa e fenomenal. Ele acaba mantendo relações sexuais com ela e descobre que nada tem graça porque não há para quem contar o seu feito.
Existem segredos que são mantidos a sete chaves, muitas vezes atravessando gerações. Nesse caso alguém torna-se guardião do segredo e só o repassa em situações extremas como doença grave.
Isso existe e posso testemunhar: fui agraciado com a confiança de um amigo que me tornou depositário de um segredo envolvendo pessoa morta há cerca e dez anos. Pode-se perguntar sobre a importância de algo que se relaciona a alguém que morreu há tanto tempo. Que reflexo teria hoje em dia o segredo caso fosse revelado?
Essa pergunta fiz ao meu amigo, na ocasião recolhido a leito de hospital com diagnóstico de um câncer que, felizmente, acabou se resolvendo. Foi o medo da morte, portanto, o fator desencadeante da transmissão do segredo a mim. Ao responder o meu amigo lembrou-me de que o falecido deixara bens e as coisas entre os seus descendentes haviam se resolvido satisfatoriamente, sem necessidade de que soubessem de algo que poderia complicar o entendimento entre eles.
Não me cabia nem me cabe decidir sobre o certo e o errado numa situação dessas, mormente em se considerando o meu distanciamento em relação às pessoas envolvidas com o segredo que me foi confiado. Na verdade achei e ainda acho o conteúdo da informação de que agora sou depositário totalmente irrelevante a ponto de supor que o meu amigo está mais para idealizador de uma espécie de confraria que qualquer outra coisa.
Entretanto, algo me preocupa: ultimamente o meu amigo está muito doente e pode acontecer que venha a morrer. Se isso infelizmente vier a acontecer o segredo sobreviverá apenas comigo. A partir daí e para dar continuidade ao processo, caberá a mim o repasse da informação recebida para alguém de extrema confiança. Então…
O que tenho a dizer é o seguinte: por mais curioso que você seja recuse-se a ouvir e tornar-se depositário de segredos. Sei muito bem que existem segredos deliciosos, coisas sobre pessoas insuspeitas, atos cometidos por alguém de quem jamais esperaríamos esse ou aquele procedimento. Também sei das deliciais do mundo paralelo das fofocas, da conversa mole ao pé do ouvido que tanto distrai e torna a vida mais humana. Mas, não vale a pena, acredite.
Quanto a mim vou seguir em frente, guardando o segredo que me foi confiado. Torço para que nunca venha a ser necessário revelá-lo. A minha esperança é a de que, com mais uns poucos anos, ele se torne tão irrelevante que possa ser esquecido e não mais seja necessário repassá-lo a ninguém.
Você deve estar se perguntando: mas que raio de segredo será esse que esse cara está guardando?
Pois é, meu caro, os segredos existem mesmo é para despertar a curiosidade das pessoas.