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Extermínio
Nunca fui visitar Auschwitz nem pretendo fazê-lo. Entrar num lugar onde 1,6 mi de pessoas foram assassinadas brutalmente é coisa para além das minhas forças. Crematórios, câmaras de gás, alojamentos… A mote paira em Auschwitz, assim me descreveu o lugar um amigo que lá esteve. Contou-me que de tal forma se impressionou que, durante alguns dias, enfrentou dificuldades para conciliar o sono.
Não se pode relegar ao esquecimento um lugar onde o homem se revelou capaz de tamanhas atrocidades. A memória de Auschwitz deve ser mantida para que nunca mais o que lá se passou se repita, mas…
No dia de ontem completaram-se 70 anos desde o dia em que tropas soviéticas libertaram Auschwitz. Na mídia sobreviventes da chacina nazista relataram os horrores praticados e o milagre de terem sobrevivido. São eles hoje pessoas idosas, muitas delas únicos sobreviventes de famílias inteiras dizimadas. Trazem consigo uma dor incontornável. Fizeram vida depois da guerra, emigraram, casaram-se, tiveram filhos e pode-se dizer que a seu modo foram felizes. Certamente não lograram cicatrizar completamente a ferida que trouxeram da guerra.
Nos meus tempo de menino, anos cinquenta, ouvia dizer que “alemão é gente ruim”. Certa ocasião mudou-se para casa próxima à nossa um alemão. No começo eu tinha medo daquele homem alto e claro, sempre sério. Mas, era um sujeito boníssimo. Tornei-me amigo do filho dele de quem ainda hoje me recordo com muita saudade.
O nazismo foi o que foi, não há como saber a quantidade do que se escreveu sobre Hitler e sua política de extermínio. Para nós que vivemos na América do Sul no fim das contas tudo parece não passar de história, nada mais que isso. Meu pai vez ou outra lembrava que gente como eu tinha muita sorte por ter nascido depois da guerra. Para meu pai a Guerra Fria não era lá muita coisa diante do passado horrível dos embates na Europa.
Mas, Auschwitz de modo algum pode ser encarado como simplesmente um detalhe da Segunda Guerra. Quem duvida que se arrisque a digitar “Google imagens” a palavra “Auschwitz”. Verá a tela do computador se encher de imagens retratando cenas horríveis nas quais corpos humanos são empilhados em valas comuns e por aí afora. E fotos de militares nazistas conversando, sorridentes, aparentemente desligados da chacina ao seu redor.
Não cheguei a ver todas as fotografias. Parei no meio. Aquilo não é fantasia, não é montagem. Aquilo é o horror em seu estado mais puro. Horror realizado por seres humanos bestializados contra seres humanos.
A Guerra da Coreia
Lembro-me bem das longas conversas entre as pessoas mais velhas da minha família. Sentavam-se à mesa para um longo e calmo café enquanto trocavam impressões sobre aquele mundo do final dos anos 50 do século passado. Então os EUA e a Rússia já se digladiavam nas tertúlias da Guerra Fria e o mundo polarizado ressentia-se dos acontecimentos gerados pelas duas grandes forças. Aquele Brasil considerado quintal da América do Norte não contava quase nada no plano internacional. Os jornais que chegavam em casa, como “O Estado de São Paulo” reproduziam artigos de famosos colunistas norte-americanos como James Reston e C. L. Sulzberger. Na grande e insolúvel disputa mundial pendíamos para o “lado de cá” quer dizer dos americanos até porque a lavagem cerebral contra o comunismo era permanente.
Dessas conversas que tantas vezes ouvi sem entender direito, lembro-me bem das referências à Guerra da Coreia que, na opinião de todos, dera início à disputa entre os dois blocos antagônicos. EUA e União Soviética, aliados na Segunda Guerra, entraram em disputa no território da Coreia, fazendo antever que a mesma situação se repetiria em várias outras partes do mundo. Os russos e a China apoiavam a Coreia do Norte que invadiu o sul conquistando a capital Seul. Ao que reagiram os EUA enviando-se tropas da ONU para retomar a cidade o que de fato aconteceu. A guerra durou três anos só terminado em 1953 e deixou atrás de si esse imbróglio até hoje não resolvido entre as duas Coreias: a do norte comunista e a do sul capitalista e em grande desenvolvimento.
O isolamento e sanções aplicadas à Coreia do Norte têm provocado reações daquele país, destacando-se a tentativa de produção de armas atômicas. Estima-se que os coreanos do norte se já não possuem mísseis atômicos estão muito próximos de obtê-los, fato considerado perigosíssimo. Receia-se que pelo modo como as coisas se passam na Coreia do Norte o país não tenha receio de atacar seus inimigos, enviando mísseis nucleares contra eles.
Nesta semana o governo da Coreia do Norte declarou ter abandonado o acordo de cessar fogo realizado com a Coreia do Sul. Diante da possibilidade de serem atacados os coreanos do sul declaram que diante de qualquer ação varrerão do mapa os coreanos do norte. Eis aí pintada com cores muito vivas a possibilidade de início de um conflito de proporções inimagináveis, não sendo absurdo pensar-se na possibilidade do envolvimento das grandes potências mundiais interessadas no andamento do possível conflito.
Mas, imagino o que diriam aquelas pessoas que conversavam nos anos 50 sobre os problemas mundiais. Qual seria a opinião delas sobre a iminência de um novo ataque da Coreia do Norte à Coreia do Sul? Talvez dissessem que afinal de contas o mundo do século 21 não é diferente do mundo do século 20. Afinal, os homens são os mesmos, com as paixões e diferenças de sempre, valorizando o poder e disputas por ele. De modo que aquelas pessoas, hoje todas mortas, poderiam continuar as suas longas conversas, falando sobre ontem com a atualidade do que hoje se passa no mundo.
Há quem discorde disso, mas muita gente concorda que o mundo muda enquanto o homem permanece o mesmo em todas as épocas.
Bastardos Inglórios
O diretor Quentin Tarantino é, antes de tudo, um mestre da narrativa. O seu filme “Pulp Fiction” continua sendo uma aula cinematográfica sobre a arte de contar histórias, desenvolvendo-se no mais genuíno estilo dos grandes romancistas.
Em acordo com esse retrospecto não se pode dizer que Tarantino nos surpreende com o seu mais recente filme, “Bastardos Inglórios”. É preciso lembrar que o maior fantasma dos criadores está na necessidade não só inovar como renovar-se. Por essa razão tantas vezes encontramos os chamados escritores de um só livro, aqueles que após a repercussão de uma obra não conseguem repetir o feito. Descontem-se da afirmação anterior os casos em que novas produções, ainda que boas, infelizmente não superam as expectativas do público.
Tarantino não padece desse mal. Para ele a criação surge como universo amplo no qual todo experimentalismo é possível. Com essa concepção filmou “Bastardos Inglórios”. O filme é dividido em cinco histórias cujo fio condutor é o embate entre nazistas aos judeus, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. Mas é justamente aí que Tarantino inova: ele trata o seu tema como obra exclusivamente de ficção, sendo que em nenhum momento tenta ser coerente com a história real.
É importante frisar que o diretor jamais pretende navegar nas águas da história, repetindo a abordagem usada em outros filmes sobre o holocausto. De fato, Tarantino não fez um filme de denúncia e jamais teve a intenção de mortificar a platéia com cenas de sofrimento de um povo perseguido. Acima do fato histórico e suas conotações está a ficção e nela situa-se o universo no qual Tarantino trabalha.
Quentin Tarantino toma emprestado a um dos maiores traumas experimentados pela humanidade apenas o contexto em que aconteceu e é absolutamente infiel aos fatos reais que o cercaram. Sob seu comando nomes como os de Hitler, Goebbels e Goering não passam de figuras dentro de um processo ficcional cujos destinos em nenhum momento se ligam aos das personagens reais que atuaram na Grande Guerra. Dentro desse contexto as peripécias da trama e mesmo o seu desfecho tornam-se imprevisíveis ao expectador dado pertencerem unicamente à imaginação e desejo do criador.
“Bastardos Inglórios” não é um filme sobre a violência do grande conflito mundial. Antes, trata-se de uma trama na qual o elemento mais forte é a sequência brilhante de diálogos entre as personagens. Há mais tensão na situação entre um inglês disfarçado de nazista e o nazista que o identifica que na ação do grupo de soldados de origem judaica, chefiados pelo incrível tenente Aldo – personificado por Brad Pitt -, conhecidos por torturar e matar soldados alemães.
Há quem tenha visto no filme de Tarantino a intenção de mostrar vingança dos judeus contra os nazistas. Nada mais absurdo. A seu modo o diretor expõe as fraquezas humanas de alemães e judeus mostrando-os capazes dos mesmos delitos cujas proporções dependem de quem dispõe de mais força e poder. A catedral do nazismo é mostrada em sua imperfeição e loucura através de um Hitler fanatizado por fatos menores que o genocídio que se pratica diariamente. Goebbels nada mais é que um aspirante de cineasta que produz filmes para sua glória pessoal e para que Hitler aprove.
Nesse mundo de vaidades, intrigas, violências, medos, perseguições, racismo e fanatismo, ninguém escapa porque o homem é um ser imperfeito e engaja-se em ações que permitam a ele dar vazão aos seus instintos.
Num filme de tal dimensão destaque-se o trabalho dos atores e a produção impecável. Brad Pitt está bem como o tenente Aldo Raine no comando dos judeus que matam nazistas. Mas o grande papel fica por conta do coronel nazista Hans Landa, interpretado por Cristoph Walts que persegue e localiza judeus. O irretocável Landa desde o início nos propõe a direção de suas ações : ele nos avisa que seu mérito é não pensar como alemão e sim como os judeus, daí o seu faro para encontrá-los onde quer que se escondam.
“Bastardos inglórios” é um filme sobre cinema e no cinema se resolve. Consegue isso em dois planos: no universo da ficção trabalhada e nas cenas finais da trama engendrada por Quentin Tarantino.