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200 milhões
Éramos 90 milhões em 1970. Todos em ação segundo a letra da música ufanista que saudava a seleção. Tempos do governo Médici, repressão dura e o Brasil na era do milagre econômico que bateu as botas na virada para os anos 80.
A vitória da seleção na Copa do México lavou a reprimida alma nacional. No meio do silêncio espectral determinado pela ditadura finalmente se pode gritar e muito. A seleção de 70 encantava o mundo e nos fazia felizes. Eram os mágicos da bola liderados por Pelé.
A chegada dos campeões mundiais ao Brasil foi uma festa. Eu os vi passar sobre um carro de bombeiros que rodava lentamente na Av. 23 de maio. As encostas da avenida estavam cheias de pessoas que saudavam os campeões. Era um dia bonito, céu de azul límpido e muito sol. Desse dia me lembro notar a presença de muita gente bonita. Tanto que um amigo me perguntou por onde andariam aquelas mulheres tão belas nos dias comuns.
São Paulo parava para receber a seleção. Um grito de ufanismo pairava no ar, misturando-se ao espocar interminável dos foguetes. Era outro país, outra gente, outro sistema de governo, outra realidade econômica. Éramos diferentes do que somos hoje, acreditávamos, talvez, que em breve as coisas retornariam ao ritmo normal, ao restabelecimento da democracia e das liberdades individuais. Era tempo em que a censura vigorava, mas sabíamos que isso não duraria para sempre. Um dia, ao longe, talvez nem tão longe, as coisas voltariam a ser como eram antes naquele Brasil sofrido, mas com tanta força para crescer.
Agora o IBGE publica que somos 200 milhões de brasileiros. O que dirão os pósteros, passados mais cinquenta nos dos dias de hoje? Olharão o passado com saudade como fazíamos em 70? Ou viverão num país melhor, mais justo, menos corrupto e com mais igualdade?
Não estarei aqui para ver ou saber como esatrão as coisas. Mas, enquanto cidadão, me sinto responsável pelo que há de vir. Há que se pensar no legado que deixaremos aos nossos netos e futuras gerações.
O grito abafado de 70 ainda ecoa em nossos ouvidos. Ele é perene em nossas memórias. Representa todo um passado de constrangimentos, rompidos temporariamente num dia de festa que por fim passou. É preciso que os atuais 200 milhões tenham consciência disso e trabalhem para arrumar a casa de modo que o futuro seja sempre promissor.