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Você nunca será um deles
Recebo email de um rapaz que não conheço - ele diz ter 19 anos - perguntando-me o porquê da minha omissão, em certos textos, do nome de pessoas envolvidas em algum tipo de acontecimento.
A resposta, meu caro, relaciona-se com a distância das fontes de informação. Eu, você e quase todo mundo somos receptores finais de notícias. Estamos bem longe das fontes e dificilmente temos acesso direto a elas. Isso quer dizer que temos que tomar muito cuidado com as nossas opiniões porque a maioria delas fundamenta-se em algo que alguém nos relatou segundo o ponto de vista dela, ou seja, o modo como recebeu a notícia em primeira ou segunda mão, a sua interpretação e o jeito que escolheu para passá-la adiante. Claro que isso deixa de ser verdade quando temos acesso mais direto aos fatos.
Sei que é meio triste constatar isso, mas o fato é que muitas das nossas opiniões correm o risco de ser mediadas por relatos de outras pessoas que souberam primeiro e fizeram matérias sobre um assunto que chegou até nós. É nessas circunstâncias que bandidos às vezes viram heróis e heróis natos passam a ser abominados. Obviamente, esperamos, sempre, que o cidadão que nos serve como intermediário na veiculação de notícias seja fidedigno, um cara honrado e que não está aí para fazer a cabeça de ninguém. Mas, tanta gente nesse mundo peca pela arte que…
Então é assim: o melhor é em determinadas situações ficar apenas nas impressões que nos provocaram certos acontecimentos e omitir os nomes dos participantes dado que não é impossível que se cometa alguma injustiça. Salvam-se desse modo de agir alguns comportamentos por demais categóricos que não sugerem outra visão que não a da realidade de fatos se impõem. Serve como exemplo a atual crise do Senado e a incrível demanda de notícias desairosas que correm sobre o seu atual presidente.
De todo jeito, quem escreve deve temer a injustiça contra pessoas por mais que eu entenda que não vim a esse mundo para fazer justiça ou ser justiceiro. Trata-se apenas de um amor cego pela verdade que é a única coisa que prevalece no final das contas. Semana passada, por exemplo, vi numa coluna social – as tais onde os ricos desfilam e que bom para eles que seja assim – pessoas que me pareceram intrusas a um cenário de festa glamorosa. Pelo amor de Deus, não é que não tivessem o direito de estar ali, afinal a noção de igualdade está entranhada na cabeça de todos nós, vejam-se os lemas da saudosa Revolução Francesa. Então qual era o problema, o que de fato me incomodou? Pois foi o passado daquelas pessoas fotografadas em meio àquela riqueza toda. Eram elas oriundas de grandes movimentos sindicais, gente que jurou dogmas agora abandonados, pessoas atualmente aliadas àqueles que combateram durante quase toda a vida até que o poder- sempre ele - influiu dramaticamente sobre as suas convicções.
Então eu vi as fotos e tive a sensação, talvez errada e absurda, de que alguma coisa estava fora do lugar. Fiquei dividido, refleti, revi meus conceitos, acusei-me de preconceito e só depois voltei a ver as fotos: nem assim me livrei da impressão anterior.
Daí que estava revendo as tais fotos o jornal e me veio à cabeça o título de um dos livros do grande jornalista Joel Silveira chamado “Você nunca será um deles”. Fiquei com o título na cabeça e nada mais tenho a dizer sobre esse assunto.
Acho que essa história de pessoas em contexto aparentemente errado explica porque às vezes é melhor omitir nomes em algumas coisas que escrevemos.
Cidadãos Acima de Qualquer Suspeita
Em recente discurso o presidente do Senado, defendendo-se de acusações de nepotismo, alegou seu passado de honra e serviços prestados à República na qual, inclusive, ocupou a presidência. Discurso duro de quem acredita no que está falando e, mais que isso, sente-se justificado. A República deve a ele, portanto.
Em suma, o tom das palavras do presidente do Senado propõe-se a lembrar a nação que de não se está a acusar qualquer um: é a um ex-presidente que se está cobrando, a ele querem atingir maculando o seu passado.
Curiosamente o atual presidente da República logo em seguida veio a público referendar as palavras do presidente do Senado, conferindo a ele irrestrito apoio.
Existe, pois, entre nós uma hierarquia de erros e faltas ao que parece baseada em pelo menos dois critérios: o grau de gravidade das faltas e a importância da pessoa que as comete. Assim, faltas consideradas desimportantes dentro de contexto maior e cometidas por pessoas acima de qualquer suspeita não merecem qualquer tipo de reprovação.
No Brasil vigora uma lógica perversa de interpretação de fatos. Ao cidadão comum fica cada vez mais difícil discernir entre o certo e o errado. Episódios como esse envolvendo o presidente do Senado só contribuem para confundir ainda mais a noção de valores da população.
Para os mais velhos talvez seja mais fácil entender o que está acontecendo; aos mais jovens nada disso serve como exemplo de conduta.