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Euclides da Cunha, 100 anos
Há exatamente 100 anos, no dia 15 de agosto de 1909, o escritor Euclides da Cunha saiu à rua levando um revólver calibre 22. Seu destino era a casa do cadete Dilermando de Assis, localizada na Estrada Real de Santa Cruz, Piedade, Rio de Janeiro.
O desfecho da aventura de Euclides é conhecido: durante uma troca de tiros Euclides é alvejado por Dilermando e vem a morrer. O móvel do crime é a mulher de Euclides, Ana de Assis, que tinha um caso com o cadete Dilermando. Um ano depois, o filho primogênito de Euclides – Euclides da Cunha Filho – tentou vingar a morte do pai e também foi morto por Dilermando.
Dilermando de Assis foi absolvido de seus dois crimes em sessões no Tribunal do Júri. A defesa de Dilermando foi realizada pelo célebre advogado Evaristo de Moraes filho que alegou, em ambos os casos, legítima defesa.
Deve-se a Elói Pontes uma biografia de Euclides da Cunha cujo título é “A vida trágica de Euclides da Cunha”. Voltada mais para a obra que o homem é a excelente biografia escrita por Olímpio de Souza Andrade intitulada “História e Interpretação de Os Sertões”. Outra biografia do escritor é a de Silvio Rabelo cujo título é “Euclides da Cunha”.
A morte de Euclides foi o corolário da vida difícil de um homem inadaptado. Infelizmente as circunstâncias trágicas da sua morte pelas mãos do amante de sua mulher marcaram a figura do escritor como se fora este o fato maior de sua existência. De fato, o assassinato de Euclides da Cunha impregnou a sua imagem pública que talvez seja mais conhecida pela tragédia final que por sua obra. Para isso certamente contribuem representações que tomam Euclides como personagem esmerando-se em apresentá-lo como o homem traído que se bate por sua honra sem sucesso.
Ora, tem razão Olimpio de Sousa Andrade quando valoriza a história de Os Sertões referindo-se a Euclides enquanto autor de obra ímpar e perene da literatura brasileira. Esse modo de ver valoriza os acontecimentos da vida de Euclides buscando no homem o grande escritor que ele foi. A tragédia da morte torna-se, assim, fato menor, noticiário de páginas policiais que em nenhum momento ensombrece a grandeza de Euclides da Cunha.
O que é preciso deixar claro, portanto, é que no dia de hoje celebra-se o passamento do autor de Os Sertões, livro fundamental na história da inteligência brasileira e que tem, no século trasncorrido, influído nos modos de ser e pensar daqueles que estudam e procuram compreender o Brasil. Valorizar na celebração desse acontecimento as circunstâncias da morte do grande escritor de Os Sertões em detrimento de sua reconhecida importância é tomar a sua existência pelo que ela teve de menor.
Muito se pode dizer sobre Os Sertões. É vasta a bibliografia sobre o grande livro valorizando seus múltiplos aspectos. Decorre esse fato da preocupação de Euclides em explorar, analisar e buscar explicar as origens da gente brasileira, seu modo de ser e a influência que tiveram sobre o desenvolvimento da sociedade local diversos fatores, entre eles os raciais e climáticos. Munido de ferramentaria científica, filosófica e sociológica disponível em sua época, Euclides da Cunha entregou-se à paixão de descrever os sucessos ocorridos em Canudos que culminaram na chacina dos adeptos de Antônio Conselheiro.
Tomado como um livro de denúncia Os Sertões é muito, muito mais que isso: trata-se de uma das primeiras interpretações do Brasil que embora se ressinta de análises feitas segundo os conhecimentos da época em que foi escrito mantém-se viva e atual. Isso acontece, entre outros fatores, porque o escritor de Os Sertões é antes de tudo um grande poeta, cinzelador de palavras, cultor da forma e homem encantado por belezas inacessíveis ao comum dos mortais.
Celebra-se, assim, no dia de hoje, o centenário da morte de um intérprete do Brasil. Daí serem mais que justas as homenagens que se prestam nesse momento ao escritor maior de Os Sertões.