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O cérebro das águas-vivas
Imagino professores de biologia arrepiando-se ao ler o título acima. Afinal, há muitos e muitíssimos anos todo mundo sabe – e ensina-se – que águas-vivas não tem cérebro. Na verdade esses animais são dotados de um sistema nervoso rudimentar que recebe o nome de “difuso” justamente por não existir no organismo deles um centro coordenador de atividades. Naquela grande e esquecida coleção em dez volumes cujo título é “Ciência da Vida” os autores H. G. Wells, Julian Huxley e G. P. Wells nos ajudam - magistralmente, é bom que se diga - a compreender a estrutura do corpo de animais como as águas-vivas. O que importa é lembrar que as águas-vivas possuem simetria radiada, diferentemente da maioria dos animais cuja simetria é bilateral.
É muito fácil entender a questão da simetria. Em relação ao corpo humano basta imaginar a existência de um plano situado verticalmente, da cabeça ao espaço entre os pés, dividindo-o em duas metades iguais. É graças à possibilidade de passar pelo corpo esse plano imaginário que possuímos extremidades anterior e posterior, frente e costas, lados direito e esquerdo. Eis aí explicada a simetria bilateral.
Ora tal não acontece em animais como as águas-vivas. Nesses seres é possível imaginar a existência de vários planos dividindo o corpo em duas metades iguais. Trata-se da simetria radiada que pode ser entendida como a simetria de uma roda. De fato, se desenharmos um roda com um compasso verificaremos a possibilidade de traçar vários planos passando pelo centro dela, cada plano dividindo-a em metades iguais e simétricas.
É na simetria radiada que Huxley e os Wells se apoiam para explicar a arquitetura do corpo das águas-vivas e animais semelhantes a elas. Sendo redondas as águas vivas não têm lado e nem mesmo extremidades, daí a inexistência de lugar apropriado para a localização de um centro nervoso que seria o cérebro delas. Decorre desse fato a presença do sistema nervoso difuso que nada mais é que uma rede de células nervosas interligadas sem a presença de um centro coordenador das atividades do animal.
Bem, o que está escrito acima é o que se ensina nas escolas e está escrito nos manuais de biologia que atendem inclusive a alunos de cursos superiores. Entretanto, em relação a esse assunto não há como ignorar artigo de autoria de Natalie Anger, publicado no The New York Times. Nele a articulista reúne informações surpreendentes colhidas junto a pesquisadores que estudam as águas-vivas. Entre elas está uma publicação da revista Current Biology, assinada por Anders Garm e colaboradores,na qual destaca-se o fato de as águas-vivas Cubozoa possuírem um sistema visual constituído por uma rede de 24 olhos com quatro tipos de funções, sendo dois deles de função semelhante à dos olhos humanos.
No mesmo artigo Natalie Anger também cita publicação de Richard A. Satterlie, no The Journal of Experimental Biology, na qual o autor refuta a inexistência de sistema nervoso central nas águas-vivas. Segundo Satterlie estudos acurados mostram evidências de “condensação neuronal”, representando neurônios unidos para formar estruturas distintas que agem como centros de integração. Nesses centros as informações são processadas como faz um cérebro: sinais sensoriais recebidos são processados, gerando respostas apropriadas.
Ainda segundo Anger, David J. Albert, especialista em águas-vivas no Laboratório de Biologia Marinha de Roscoe Bay, em Vancouver, declara ser justo esperar que esses animais possuam cérebro. Albert estuda águas-vivas há muitos anos e detectou que elas não são flutuadores passivos e possuem medidores da salinidade da água, propriedades essas muito úteis a elas em seus hábitats.
As águas-vivas são animais classificados, juntamente com os corais, no filo dos celenterados. O tamanho delas é variado, existindo espécies em que o corpo chega a 3 metros, dele saindo tentáculos de 30 metros de comprimento. Em contrapartida encontram-se águas-vivas muito pequenas, medindo com poucos centímetros. Esses animais são temidos pelos banhistas dado que, por possuírem células urticantes, podem provocar queimaduras quando em contato com a pele humana. Entretanto, o poder de queimar não é igual nas diferentes espécies de águas-vivas. Muitas delas nem chegam a causar queimaduras enquanto a chamada Vespa do Mar, encontrada na Austrália, figura entre os animais mais venenosos do mundo. No contato da pele com os tentáculos dessa água-viva libera-se uma toxina muito potente que pode provocar, em menos de três minutos, parada cardiorrespiratória , levando à morte os indivíduos atingidos.