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Perto do fim

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Antes que a morte se mudasse para os leitos hospitalares morría-se mais em casa. De minha infância trago imagens dos últimos momentos de pessoas conhecidas em geral levadas pelas doenças. Os mais velhos estavam familiarizamos com os sinais da morte. Sabiam quando ela se aproximava, sentiam-na invadir as casas, acercando-se dos leitos onde os doentes exalavam seus últimos suspiros. Tratavam com respeito a intrusa que se encarregava de ceifar vidas. As mulheres rezavam. Os homens permaneciam nas cozinhas, sentados em torno de uma mesa na qual reinava um bule de café. Aceitava-se o inevitável com relutância, mas as coisas eram como eram e nada mais havia a se fazer.

Quando aquele que ia morrer começava a emitir sons metódicos a cada inspiração sabia-se que o desenlace estava próximo. Era a “sororóca”. Da sororóca ninguém jamais voltara. Ela era a cadência da morte, o trajeto regular em direção ao derradeiro suspiro. Mas, outro sinal de que o fim seria iminente eram certas coisas que o doente dizia. Vi, por exemplo, gente de minha família referir-se à presença de pessoas já mortas que estariam próximas, no mesmo cômodo. Num desses casos a parenta moribunda apontava em direção à porta do quarto, dizendo estarem ali, fulano, fulana, etc. Eram os mortos que compareciam ao seio da família para acompanhar a travessia de um dos seus ao outro lado, acreditava-se nisso.

Em artigo publicado nesta semana no NYT Jan Hoffman escreve: “Há milênios, os sonhos e as visões dos moribundos cativam as culturas, que lhes atribuem um significado oculto e sagrado. Antropólogos, teólogos e sociólogos já estudaram os ditos fenômenos do leito de morte … mas os médicos tendem a evitá-los porque não sabem que diabo eles são”.

Hoffman relata que uma equipe médica está tentando desmistificar essas experiências e compreender seu significado no apoio a “uma boa morte” para o paciente e para os que ficam. Os pesquisadores concluíram que sonhos dos moribundos e outras manifestações oferecem conforto a eles e aos que os pranteiam.

Até hoje ninguém retornou efetivamente da morte, isso sem falar nas experiências de quase morte. De modo que a despeito de pesquisas e suposições nunca teremos certeza sobre o significado dos fenômenos que antecedem o instante da morte. Quanto a mim, realmente não sei o que dizer dado que até hoje me impressiona a lembrança da moribunda em seus últimos momentos, apontando em direção à porta e descrevendo as pessoas que ali estariam presentes, todas elas mortas, absolutamente mortas. Vieram me buscar - foram suas últimas palavras.