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A Rua do Apito
Moro na Rua do Apito. Até a alguns meses o nome da rua era Gonçalves Ledo. Eu não sabia quem tinha sido o Gonçalves Ledo de modo que fui pesquisar. Descobri que ele atuou como jornalista e político, tendo sido importante para convencer D. Pedro no “Dia do Fico”. Como ele foi importante para o Brasil se encaminhar para a independência de Portugal então passei a gostar do nome da minha rua.
Como disse antes, o nome da rua mudou. A razão foi a instalação na portaria do meu prédio de um aparelhinho que apita toda vez que se abre o portão. O apito é agudo e me acorda todo dia às seis da manhã. Ele soa dentro do meu quarto como um chamado para a luta e eu me sinto como um soldado na trincheira que havia cochilado entre um tiroteio e outro. Demoro a compreender que não estamos em guerra, não sou soldado, não tenho armas e só queria dormir mais um pouco.
De uns tempos para cá tive a impressão de que o barulho do apito aumentou. Então tomei a decisão de gravar o som em dias seguidos. De fato verifiquei uma oscilação sendo que em alguns dias o ruído chegava a ser ensurdecedor. Só aí conclui que prédios vizinhos poderiam ter aderido ao uso do apito.
A partir daí passei a pensar na existência de uma organização que se uniu para fazer tocar os apitos de aviso nos mesmos momentos. Os executores são os funcionários das portarias que se reúnem uma vez por semana para combinar as ações. Imagino que se encontrem numa gruta, todos com os rostos cobertos para não serem identificados. Acima deles está a organização dos síndicos que coordenam as ações. Pensando bem, talvez isso tudo tenha algo a ver com ordens superiores de algum secretário da prefeitura ou do próprio prefeito. Mas, pensando melhor ainda a coisa pode ser mais complicada: as decisões podem vir do próprio governador que, aliás, recebe orientações da presidente da República. Isso mesmo: o governo do Brasil decidiu que a Rua Gonçalves Ledo deveria mudar o nome para Rua do Apito e para justificar a mudança criou um sistema que comanda os apitos que me acordam a toda manhã, pontualmente às seis horas.
Diante da grandeza do problema, não sei a quem apelar. O síndico do prédio e a empresa administradora nada podem fazer contra ordens superiores. De modo que a solução que me resta é a de mudar os hábitos que adquiri nesses muitos anos de vida: dormir cedo para estar alerta às seis da manhã.
Senhores, a loucura existe. No fundo eu só quero poder dormir mais um pouco de manhã e não ser acordado pelo ininterrupto apito que soa na portaria.