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A má sorte
A má sorte sempre impressiona. Mas, ela existe mesmo? Parece que sim. Tem gente que não dá sorte. Se numa seleção para um emprego restarem apenas dois candidatos o azarado sabe que não será ele o contratado.
Sempre me lembro de um parente que andava na contramão da sorte. Tudo acontecia com ele, até embarcar num trem no qual viajava um bandido, muito parecido com ele, e ser preso no lugar do bandido. No começo o parente reclamava da má sorte. Depois, habituou-se a ela. No fim da vida conseguia rir se seu azar. Muitas vezes sentávamos à mesa da cozinha e ele, comendo bananas, desfiava seu rosário de provações. Como aquela de sua participação no exame do CADES para conseguir a licença de professor. A prova se compunha de duas fases, a escrita e a oral. Fora bem na escrita. Na oral os candidatos eram arguidos por um dos quatro professores da banca - três homens e uma mulher. A torcida era para não cair com a mulher, conhecida por raramente aprovar alguém. Na vez do parente? Ora, não deu outra: foi inquirido pela mulher.
Como seria de se esperar o resultado não foi bom. Numa pergunta a professora disse que a resposta estava errada. O parente discordou. Daí para o bate-boca e a reprovação… Mas, o parente era um sujeito que estudava muito. Na quinta tentativa conseguiu a licença. E olhe que ele dominava o assunto das provas.
Noticia-se hoje o falecimento do ex-piloto de Fórmula-1, o neozelandês Chris Amon. Foi ele um dos melhores pilotos na década de 60 e início da de 70. Entretanto, ficou conhecido pela má sorte. Esteve 11 vezes no pódio, mas nunca conseguiu vencer. Depois da F1 conseguiu vencer as 24 horas de Le Mans. Mas, ao que se diz, a má sorte sempre o impedia conseguir vitórias.
Existem pessoas bafejadas com incríveis golpes de sorte, dessas inesperadamente agraciadas com prêmios ou situações de relevo. E há os azarados. Há quem não acredite nisso. Há quem diga que sorte e azar dependem do modo de ser das pessoas. Mas, aí entramos no território das coisas inexplicáveis.
Sobre o Nada
Tem um sujeito, meu conhecido, que a toda vez que é perguntado sobre o que está acontecendo reponde:
- Nada.
Insisto:
- Nada mesmo?
- Nadinha.
Desde muito tomei a liberdade de chamá-lo de Nada. Quando me encontro com ele e o chamo de Nada ele apenas sorri. Mas, convenhamos, o Nada é um homem contido. Desses que se seguram ao limite para não externar emoções. De um ano para cá deixou crescer a barba, certamente para disfarçar o espanto diante da vida. Porque - é bom que se diga – não faz muito tempo a vida do Nada virou de cabeça para baixo. Uma série de acontecimentos infaustos abateu-se sobre ele, inexplicavelmente.
O Nada é dessas pessoas que nos fazem pensar se de fato existem a sorte e o azar. Se de fato algumas pessoas são azaradas, tanto que céus e infernos parecem se voltar contra elas, inexoravelmente.
Mas, a essa altura você estará se perguntando: afinal o que aconteceu a esse tal de Nada? Confesso que não sei detalhes e muita coisa sobre a cascata de má sorte do Nada me escapa. O pouco que soube foi através dele mesmo que certo dia, em fase de desespero, sentou-se comigo para uma cerveja e abriu o bico. Naquela ocasião falou-me ele pausadamente. O Nada mastigava cada frase que parecia sair de seu peito após ser gerada com imensa dor. Confessou-me a falta brutal que faziam a ele os filhos agora vivendo sob a tutela da mãe. A mãe. Justamente a mãe. Ela mesmo, aquele mulherão com quem se casara recusando-se a ouvir os conselhos dos amigos. O Nada deu a ela casa, cama, comida, carro importado de luxo, vida de rica como ela jamais teria vinda que era de berço pobre. Trabalhava ele dia e noite para manter o padrão, feliz por fazê-la feliz. Sempre ocupado, o Nada deixou-a passear várias vezes em Miami, levando dinheiro gordo na bolsa para comprar o desse na telha dela.
Isso durou? Ah, não. Pois foi um sujeito do posto de gasolina que certo dia disse ao Nada que a mulher dele andava com o cara da academia, um personal trainer que ela havia contratado para manter a forma. O que se seguiu foi uma rápida investigação que deu o resultado esperado: ele e o tal personal eram amantes. Seguiu-se a perda da casa que estava no nome dela e até a descoberta de que o carrão já fora passado por ela ao personal. Aborrecido o Nada descuidou-se da empresa e o negócio afundou depressa. De repente dividas, processos etc. Como nenhuma desgraça parece não se dar por completa veio o acidente no qual o Nada se machucou e agora anda puxando por uma das pernas. Tem mais, mas chega.
Naquela noite em que o Nada me falou sobre a desgraça dele, vi um homem cansado da vida, talvez desejando colocar um ponto final no seu estágio entre os humanos. A certa altura, depois de um longo silêncio perguntei a ele:
- E sobre o futuro?
Ele se virou e com algum esforço respondeu:
- Nada.
Por um triz
Você já escapou a um acidente por um triz? Sabe aquela coisa terrível da qual alguém se livra por milésimos de segundos? Um segundo além e você estaria no lugar exato onde teria sido atingido por uma bala perdida. Mas será a isso que chamam de sorte? Quer dizer que algumas pessoas têm sorte, outras não? Ou no fundo tudo não passa de acasos, coincidências etc.
Um sargento de 33 anos de idade se casa. Na festa que se segue à cerimônia ele tropeça e cai. Acontece que ele carregava no bolso da calça um copo que se quebra no momento da queda. Os cacos de vidro cortam a veia femoral do sargento, a hemorragia é grande e ele morre. Sorte? Azar? Acaso?
Casa pessoa tem um código de entendimento quanto ao que pode lhe ocorrer. Você diz: isso que aconteceu ao sargento não ocorreria comigo. Não? Quem pode saber? A verdade é que acontecimentos inesperados acontecem diariamente. Aqui mesmo, na cidade onde moro, há uma avenida onde se formam filas de carros quando o sinal de trânsito fecha. Refiro-me especificamente a essa avenida porque, semana passada, dois rapazes abordaram um carro e exigiram do motorista que entregasse a eles carteira, dinheiro, enfim o que tivesse consigo. O motorista era um idoso e, assustado, confundiu-se ao pegar seus pertences. Ia entregá-los, mas não teve tempo porque um dos bandidos atirou na cabeça dele, matando-o. Na reportagem sobre o crime uma testemunha comentou o fato de ter sido justamente aquele carro, entre tantos, o escolhido pelos bandidos. Era como se a morte estivesse na esquina, esperando pela pessoa à qual deveria dar cabo naquele instante.
Sempre penso que a sorte me favorece em momentos difíceis, embora não acredite em sorte. Trata-se de um pensamento mágico. Não tenho medo de acidentes aéreos porque tenho certeza de que não morrerei em acidente. Ontem mesmo, a bordo de um avião, fiquei muito tranquilo durante longo período de turbulências. Claro que as minhas certezas não passam de bobagens, mas o fato é que me fio nelas, sinto-me protegido por elas.
Não imagino qual seja a sua opinião sobre esse tipo de assunto. De tudo fica a impressão de que para algumas pessoas as cosias não costumam dar certo. Conheci uma mulher que garantia a existência de gente que atrai desgraças. Ela citava pessoas que passaram por desgraças em série e concluía dizendo que isso de modo algum poderia ser atribuído ao acaso.
Sobre o sargento que se acidentou e morreu durante a festa de seu próprio casamento fica a interrogação. Que estranha conjunção entre alegria e tristeza cercava a vida desse homem? Entre mil e tantas oportunidades de que algo de terrível pudesse suceder a ele por que justamente o acidente fatal em meio a um momento de festa e realização pessoal?
A vida é estranha.
A força do imprevisível
Num mundo de rotinas estabelecidas a imprevisibilidade funciona como desvio do pêndulo. Na Marginal do Tietê um técnico do Departamento de Trânsito decide parar para organizar o tráfego que não flui após a ocorrência de um acidente. O técnico desce de seu veículo para logo em seguida ser atropelado e morto por um carro que passa no local.
No Rio Grande do Sul um motorista de ambulância é chamado para atender vítimas de um acidente automobilístico. Ao chegar ao local encontra o próprio filho morto.
Acaso? Destino? Trapaças da sorte? Há muitos anos um amigo me dizia que se você não quiser encontrar uma pessoa que vive na mesma cidade o melhor é não sair de casa. Perguntei a ele se a teoria seria válida para uma cidade como São Paulo e ele me respondeu: mais ainda.
Não sei. O fato é que coisas assim não deixam de impressionar. Todo acontecimento que desafia a teoria das probabilidades não deixa de ser estranho. Qual seria, por exemplo, a probabilidade de um motorista de ambulância atender a um acidente no qual o próprio filho é o acidentado e, pior que isso, morreu? Nem quero começar a imaginar a surpresa e a dimensão da dor desse pai tão cruelmente maltratado pelas circunstâncias.
A intenção desse texto não é a de discutir por que certas coisas acontecem às pessoas, muitas vezes fatalidades que seriam evitadas caso os envolvidos tivessem apenas feito outro caminho. Nem mesmo se pretende ponderar sobre o porquê de algumas pessoas terem sorte, outras não, enquanto outras ainda serem simplesmente azaradas. Para quem não acredita na existência de gente azarada deixo aqui meu testemunho de que conheci pelo menos duas pessoas assim. Talvez você também já tenha cruzado com gente para quem nada dá certo. Se não se trata de azar o que é, então?
Um dos meus azarados prediletos foi pessoa a quem me afeiçoei muito. Ótimo sujeito, lhano, participativo, mas deserdado da sorte a ponto de rir das coisas que a ele aconteciam. Contava muitas histórias nas quais a sua habitual falta de sorte funcionava como protagonista. Uma delas, do tempo da Revolução de 32, é exemplar. Soldado das forças paulistas o meu conhecido estava num trem quando foi abordado por policiais e preso. Contra ele pesavam várias acusações às quais negava com veemência. A situação só foi esclarecida dias depois: a polícia estava à procura de um criminoso que, por acaso, tomara o mesmo trem que o meu conhecido. Mas, que relação existiria entre ele e o criminoso a ponto de ser preso no lugar dele? Ora, muito simples: o meu conhecido era um sósia perfeito do criminoso, conforme pode ele mesmo confirmar através de uma fotografia. O acaso colocara ambos os sósias num mesmo trem. Quanto ao azar esse ficava por conta de ter sido preso justamente aquele que não era o criminoso.
Do que se conclui que as regras desse grande jogo que se passa no planeta e envolve milhares de vidas são muito, muitíssimo, confusas.
A sorte dos apostadores
De vez em quando o assunto sorte vem à baila. Há quem não acredite na existência de sorte, preferindo classificar tudo como simples acaso. Circunstâncias inesperadas favorecem a uns e prejudicam outros, só isso, nada mais que isso, nada a ver com sorte.
Tive um parente, já falecido, que terá sido uma das melhores pessoas a quem conheci. Sujeito lhano, solidário, exemplar. Entretanto, ficou conhecido por ser azarado. De fato, com ele aconteciam coisas absurdas e inesperadas. Era do tipo que se um pássaro defecasse sobre uma multidão as fezes cairiam justamente sobre cabeça dele. O pior: ele sabia disso, tinha plena consciência do seu azar e contava sempre com a possibilidade de um resultado desfavorável. Foi assim em concursos públicos de que participou. Num deles a escolha final ficou entre ele e outra pessoa. Não deu outra: ele não foi escolhido.
Escrevo sobre esse assunto porque até agora não entendi bem o mistério que envolveu a sorte dos jogadores que apostaram na Mega-Sena, numa lotérica do Rio Grande do Sul. Eles participaram de um bolão que foi premiado. O prêmio de mais de 53 milhões de reais seria dividido entre os apostadores, cabendo a cada um cerca de 1,3 milhão de reais.
Imagino a alegria desses sortudos ao saberem do resultado da loteria. Dois deles deram uma grande festa para comemorar. Todos foram dormir ricos e felizes. Mas, infelizmente, a alegria durou pouco: a lotérica não repassou o jogo para a Caixa Econômica Federal e o sorteio ficou sem ganhadores.
Essa é a tal história de uma riqueza que durou muito pouco. Vinte e poucas pessoas tiveram que enfrentar a decepção de terem sido ricas temporariamente e sem fazer uso de um só tostão das suas fortunas. Agora se iniciam as démarches com a participação de advogados etc. Mas o dinheiro mesmo…
É de se perguntar como fica a sorte num caso desses. Os apostadores tiveram a sorte de participar de um bolão vencedor, mas não ganharam de verdade. Esse é um tipo incomum de meandro da sorte, uma zona de meio-termo perigosa demais para autoconfiança das pessoas.
Na verdade não sei bem o que achar. Daí que prefiro ficar com uma frase que minha mãe proferia quando se defrontava com situações duvidosas:
- A sorte, como a vida, é muito caprichosa.