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“Viver a Vida”: ninguém merece
Você teve um dia difícil, as coisas não estão fáceis. Pode ser que tenha ficado muito tempo parado no trânsito, no ponto de ônibus ou estar com problemas no seu emprego. De todo modo o dia acabou, logo estará em casa, no sofá gostoso da sala, comendo petiscos, ligado na sua novelinha preferida.
De repente termina o Jornal Nacional com o jeitão novo que deram a ele, que você não gostou muito, mas é só dar tempo, você acaba se acostumando.
É aí que entra a novela com aquela história da modelo que casou com um ricaço. Ele tem uma filha, também modelo, que sofreu um acidente previsível porque era muito feliz e rica, meio aloucada e tanta coisa boa junto tem que ser punida, se possível com uma grande, uma enorme desgraça.
Foi assim: era para ela entrar num carro, mas a outra modelo – a mulher do pai dela - não deixou. Aí ela entrou num ônibus, aconteceu o acidente que todo mundo esperava e veio pior, a paralisia.
Agora a moça até então feliz está num hospital, comendo o pão que o diabo amassou. As cenas são terríveis, o quadro é de recuperação impossível, a moça está condenada ao que há de pior nesse mundo, ela grita, chora, sofre, quer morrer: tudo isso entra na sua casa depois de um dia daqueles. Você pensa em mudar de canal, mas há algo nas tragédias que o atrai, talvez a força de um destino malvado que queremos ver para exorcizá-lo, para que de jeito nenhum aconteça com a gente ou com alguém a quem amamos.
Olhe, vou lhe dizer uma coisa: você não merece isso. Esse dramalhão sobre o sofrimento alheio, a exposição pública da dor dos outros com fins talvez, muito talvez, educativos, essa pressão sentimental que parece avisá-lo de que também pode acontecer com você, essa imposição de finitude à felicidade, tudo isso meu caro, é uma grande punição mercadológica que estão enfiando pela sua goela abaixo.
Olhe, você só está cansado dessa vida louca, mas você não é um simplório, não. Você é um cara que merece chegar em sua casa depois de um dia estafante e ver na televisão algo que o anime, que o ajude na dura travessia do dia-a-dia. Então você não pode deixar que um autor de novelas, por mais ótimo sujeito que ele seja, imponha a você um sacrifício de tal ordem. Dá até para pensar que o autor nunca entrou num pronto-socorro e viu de perto o que é receber a notícia de que seu filho está tetraplégico para sempre, que nada se pode fazer. Também não terá visto o rapaz que sofreu um acidente e está perguntando aos médicos o que houve com as suas pernas porque ele não sente nada da barriga para baixo.
Veja bem: toda essa miséria não foi feita para dramalhão de novela. Não foi não. Por isso, aceite a sugestão: mude de canal ou desligue a televisão. Você simplesmente não merece ver o que estão mostrando nessa tal “Viver a Vida”.
Televisão e lazer
Já faz algum tempo que fui convertido no tal “assinante” de TV a cabo e me rendi à assinatura de revistas semanais e mensais. No caso da TV a cabo não tive escolha: o prédio em que moro, como a maioria, abdicou da velha antena coletiva que permitia a sofrível recepção dos canais abertos. Já em relação às revistas não foi possível evitar o assédio das editoras que sabem explorar muito bem as nossas fraquezas através de uma bem sucedida campanha sobre necessidade de informação associada à qualidade das publicações e prazer da leitura.
Dirão que só participa quem quer, ninguém é obrigado a assinar nada e assim por diante. Discordo. Sou daqueles caras que tem mania de assistir a televisão e considero esse hábito essencial dado o escasso tempo que disponho para o lazer. A verdade é que a telinha está dentro de casa, não preciso me locomover para entrar em contato com o mundo através de noticiários, shows musicais, filmes e todo o conteúdo de uma programação exibida 24 horas por dia. Então, qual é o problema?
O problema da TV a cabo é justamente a qualidade da programação. Não importa que as assinaturas dêem direito a tantos e tantos canais porque na maioria deles observa-se uma incansável repetição de programas capaz de irritar até mesmo o mais penitente viciado em televisão. Quem duvida que assine essa novidade chamada HD: verá que na verdade poucos canais (cerca de meia-dúzia, no interior) transmitem com a nova tecnologia e, ainda assim, nem todos os programas vão ao ar dentro do novo formato. Pior que isso é a repetição contínua, sendo que um dos canais testa a paciência do assinante através da transmissão, horas a fio, de uma overdose de episódios dos Simpsons. Haja atração pelo Homer Simpson e sua gente que resista à maratona da série exportada pela TV norte-americana.
De algum modo é importante frisar que estamos falando de lixo cultural embora seja necessário reconhecer que, como sempre acontece em relação ao joio, encontra-se algum trigo no meio dele. Há, sim, bons programas, mas destaque-se que isso não representa ao menos a média da programação.
Escrevo sobre esse assunto porque, dias atrás, conversando com um amigo, ele discordava da minha opinião, dizendo que a variedade tem a vantagem de oferecer matérias para todos os gostos. Acusava-me ele de exigir uma programação elitista num país onde grande parte da população é inculta e não preparada para tanta sofisticação. Para esse meu amigo os tais programas populares que expõem as vísceras do cotidiano dos menos favorecidos podem ser um espelho cruel da sociedade, mas o fato é que divertem na medida em que substituem a antiga fofoca entre as famílias que antes se reuniam para uma boa troca de conversa mole.
Devo admitir alguma razão ao meu amigo, ainda mais em se considerando que hoje em dia, mesmo nas periferias, as pessoas não correm o risco de se reunir à noite, primeiro por falta de tempo, depois pela insegurança em sair de casa, pelo menos nas cidades maiores. Por outro lado, destaco que justamente a televisão torna-se ferramenta eficaz, talvez a única, capaz de alcançar toda sorte de pessoas em suas casas em momentos de lazer, daí sua obrigação em ser veículo de matérias mais educativas ainda que exibidas de forma subliminar.
Obviamente essa discussão pode ir muito longe, mormente se adentramos o território das telenovelas que ditam hábitos à população, os programas de auditório que muitas vezes escandalizam o público e os noticiários policiais que banalizam o crime na medida em que o divulgam de forma detalhada e ininterrupta. Faz-se muito dinheiro à custa da desgraça coletiva explorando-se a atração natural das pessoas pelo insólito que existe no cotidiano.
Entretanto, eis que me desencaminho. Na verdade comecei a escrever sobre esse assunto para reclamar dos filmes exibidos na televisão, sempre os mesmos, raramente novidades, impondo-se por uma repetição que não condiz ao preço que pagamos mensalmente pelas assinaturas de TV a cabo. Acontece que eu não consigo deixar de lado a televisão e não custa reclamar. Vai que por grande sorte alguém responsável pela programação de filmes da televisão leia um texto como esse e se sensibilize. Daí que a minha intenção é mesmo fazer uma corrente em prol da melhora da programação. Se você aí concordar com o que estou dizendo e tiver algum meio de divulgar a sua insatisfação, não deixe de fazer isso: quem sabe alguém importante escute e as coisas se modifiquem.
Para terminar, aproximam-se as eleições de 2010 e virão os horários políticos no rádio e na televisão. Nada contra a necessidade dos candidatos divulgarem os seus programas de atuação caso sejam eleitos, mas todo mundo sabe que não é bem assim: as coalizões realizadas entre os partidos, sabe-se lá a que preço, garantem mais tempo de propaganda durante o qual são feitas promessas sedutoras quase nunca cumpridas (para ficar no mínimo sobre o que acontece).
Será que existe algo que possamos fazer em relação a isso?