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Os preparativistas
Você está preparado para enfrentar algum tipo de catástrofe? Filmes sobre catástrofes são frequentemente produzidos e fazem sucesso. Depois dos tsunamis uma onda de filmes sobre o assunto encheram as telas. Dias atrás um canal de TV passou, durante alguns dias, o filme “Impossível” baseado numa história real. Uma família em férias num lugar de praia é surpreendida por um tsunami. As cenas das águas varrendo tudo o que encontram pela frente são de tirar o fôlego. Depois da catástrofe os membros da família passam a procurar uns aos outros, havendo a suspeita de que possam ter morrido. O filme é tenso e nos leva a pensar sobre o que faríamos caso nos víssemos diante de uma imediata catástrofe por acontecer.
Há quem pense que o fim do mundo está próximo. Viradas de séculos e de milênios causam arrepios em muita gente dado a possibilidade do fim dos tempos. Há quem se preocupe com a trajetória de asteroides ou de uma inesperada explosão solar de grande magnitude. Hoje em dia com o avanço da degradação ambiental, verificam-se mudanças climáticas importantes e ameaçadoras. Dias atrás discutiu-se mais uma vez a possibilidade de certas regiões litorâneas desaparecerem em consequência dos efeitos do aquecimento global. E está nas telas do cinema o filme Noé para lembra-nos de que houve um tempo em que tudo desapareceu, salvando-se apenas os escolhidos para se abrigarem na arca. Está na Bíblia e não se sabe se aconteceu mesmo ou não.
Há, também, quem se preocupe em preparar-se para o caso de algo grandioso destruir a nossa civilização. São os tais preparativistas sobre quem fala um artigo do jornal norte-americano “The New York Times”. Relata o jornal a realização da terceira Exposição Nacional de Sobrevivencialistas e Preparativistas. Trata-se de evento de inclinação apocalíptica na qual se vendem soluções para calamidades. A ideia é a de que uma pessoa comum possa estar preparada para o caso de ocorrer uma grande calamidade.
Sacos para mortos em massa, canivetes táticos, filtros de água movidos a gravidade, desfibriladores automáticos e outros equipamentos podem ser adquiridos por pessoas que se preocupam com acontecimentos trágicos de grande magnitude.
Meu pai era um menino pequeno quando da passagem do cometa Halley em 1910. Lembrava-se ele da comoção causada pela visão do belo corpo celeste próximo da Terra. Consta que algumas pessoas chegaram a se matar tanto medo tiveram de um colisão que destruiria a Terra. Falava-se, também, sobre a existência do gás letal cianogênio na cauda do cometa fato que gerou um clima de pânico global. Em 1986 vi o Halley no céu. Passava ele, 76 anos depois, mais longe que na vez anterior de modo que o víamos pequeno. Ainda assim, foi possível imaginar o efeito que causara sobre a gente de 1910, época em que não se dispunham das informações que hoje temos.
A verdade é que não estamos preparados para catástrofes, vejam-se as consequências do terremoto que atingiu região do Chile dias atrás. De modo que o melhor a fazer é não pensar no assunto. A civilização humana pode até vir a ter um fim, mas socorre-nos o fato de não fazermos a menor ideia de quando isso acontecerá. Então o que mais vale é aproveitar a vida e o mundo enquanto ele durar.
Atearam fogo ao ônibus
Um dos problemas relacionados à passagem dos anos é o de que, a certa altura, ousamos ter a impressão de que já vimos de tudo e nada mais poderá nos surpreender. O cotidiano é de fato repetitivo, temos os nossos horários, lemos os jornais mais ou menos à mesma hora, almoçamos, jantamos etc. Os problemas que nos afetam podem se apresentar com pequenas variantes, mas exceto por uma enorme quebra em nossa rotina, podemos dizer que as coisas se passam segundo uma lógica esperada.
Não se está a dizer que inexistem surpresas. O recente terremoto do Chile nos surpreendeu, catalisou as nossas atenções e, ainda agora, acompanhamos de perto os desdobramentos dos infortúnios que assolam o povo chileno. Hoje mesmo comenta-se sobre o erro da marinha chilena ao retirar o alerta de tsunami, fato que pegou de surpresa as populações litorâneas com terríveis consequências. A isso se acrescenta a recente tragédia acontecida no Haiti que tanto nos consternou, justamente causada por um terremoto.
Outra desgraça que nos aflige é o crime que, por ter-se tornado cotidiano, banalizou-se. Se você toma café de manhã com a televisão ligada em algum noticiário, diga lá se as imagens sobre algum assassinato pioram a sua digestão ou o fazem parar de comer. Se você chega a casa no início da noite e está tomando uma taça de um bom vinho após um dia e tanto, conte aí se as barbaridades exibidas por um desses programas policiais televisivos interfere no seu paladar a ponto de fazê-lo deixar de lado o precioso líquido.
Com esses e outros arrazoados nem tanto sólidos o que se quer demonstrar é que nos habituamos até mesmo com acontecimentos em geral inaceitáveis. De repente – e para tristeza geral – passa-se ao estágio de entendimento de que o mundo é assim e se eu levar a sério tudo o que se passa por aí o jeito é me submeter a uma lobotomia ou deixar de viver no planeta.
Entretanto, o horror não tem limites. As imagens de destruição causadas por um terremoto nos atingem num plano superior, aquele que nos dá conta da fragilidade de nossa espécie diante de forças incontroláveis. Acontecimentos de tal ordem nos falam sobre a possibilidade do fim da vida no planeta e o grande medo de que, afinal, a história da humanidade nada mais seja do que um breve capítulo nessa grande orgia de tempo que envolve bilhões de anos. Isso nos traz o sentimento de não passarmos de grãos de poeira, apesar de toda a nossa empáfia e pretensões.
Vá lá que seja assim. Entretanto, em relação ao crime as coisas se passam de modo diferente porque os atos criminosos simplesmente não precisam, nem devem acontecer, embora estejamos habituados à ocorrência deles. Fica, portanto, o nosso asco represado, numa espécie de estado de latência que nos leva a “aceitar o mundo como é” porque o desânimo nos induz à errada compreensão de que pouco ou nada pode ser feito para deter a marcha da criminalidade.
Ocorre que o nosso estado de latência, esse ver sem sentir, essa disposição para ignorar o óbvio como meio de sobreviver, tudo isso tem limites. De fato, algo tão medonho pode vir a acontecer, despertando-nos do estado de letargia voluntária que nos impomos. Quando isso acontece, ocorre uma quebra de rotina e, finalmente, a nossa repulsa aflora em toda a sua intensidade.
Exemplo? Ora, a Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, já foi tema de filme e consta que está sendo protegida por força policial. Ontem, na Cidade de Deus, foi preso um rapaz, traficante de drogas – papelotes de cocaína. Em protesto, os comparsas do rapaz pararam, aleatoriamente, um micro-ônibus, atirando pedras e explosivos contra ele. No momento em que a porta foi aberta, um dos meliantes jogou gasolina para dentro e ateou fogo. O micro-ônibus estava com passageiros em seu interior; uma mulher tentou descer, caiu entre as chamas e foi pisoteada, sendo salva por outro passageiro. Quinze pessoas sofreram queimaduras em mais de 30% de seus corpos e estão internadas.
É preciso repetir que a escolha do micro-ônibus foi aleatória. Poderia ser qualquer outro. O que importava aos bandidos era o “protesto” sob a forma de aviso para que novas prisões não se repitam. Note-se que o motorista e os passageiros nada tinham a ver com o caso da prisão do traficante. Eles simplesmente passavam por ali naquele momento, deram o azar de serem escolhidos, ao acaso, para morrer queimados.
Agora imagine-se tomando o café da manhã antes de sair para trabalhar. O noticiário da manhã que você está assistindo, meio distraído, pela televisão, apresenta as desgraças de rotina. De repente são exibidas imagens de um micro-ônibus queimado e de um homem, numa maca, narrando , entre lágrimas, a brutalidade de que foi vítima. Ele chora, agradecendo por ter escapado e dizendo que tudo o que quer é viver para cuidar do filho.
Então, você sai do estado de letargia em que se encontra: não existe catarse possível para um horror assim. Você para de comer, levanta-se, é preciso fazer algo, alguém tem que impedir que coisas assim aconteçam, passou da hora de decidir entre o que é humano e o que não é; daqui para frente tem que ser olho por olho, dente por dente, assim se expressa a sua revolta.
No fim resta o vácuo, a sensação de impotência, a certeza de que é preciso acabar como crime e condenar bestas a viverem como bestas. Fatos como o ocorrido ontem, na Cidade de Deus, não podem mais acontecer.
Teremoto no Chile
Aconteceu um terremoto de grande magnitude no Chile. Os 8,8 pontos na escala Richter superaram os 7,0 pontos do recente terremoto que tantos estragos causou ao Haiti.
As imagens que chegam do Chile dão idéia da dimensão da catástrofe que se abateu sobre a capital, Santiago, e outras cidades. O que se vê, por toda parte, são cenas de destruição: prédios e casas danificados ou que desabaram, viadutos destruídos, grande quantidade de veículos inutilizados e escombros. Pior que isso tudo: até agora 700 mortos, número que, infelizmente, tende a aumentar.
Olho para as imagens de destruição e me sinto abestalhado. Impossível aceitar que uma força sobre a qual não se tem controle entre em ação de repente, ceifando vidas, destruindo obras que tanto demoraram a ser realizadas. Tudo ocorre instantaneamente, sem aviso prévio, ao bel-prazer de movimentos de placas tectônicas que se movem gerando, do epicentro do fenômeno, ondas de desequilíbrio que se propagam por terra e pelas águas oceânicas. A partir daí o desastre torna-se inevitável e o que fica é essa sensação de impotência, a esperança de que pessoas sobrevivam e o país consiga superar a grande tragédia que se abateu sobre o seu povo e território.
E fica a saudade de Santiago, bela cidade que tem a emoldurá-la a Cordilheira dos Andes. Santiago é acolhedora com seus pontos de referência que tanto amamos. Aqui a Catedral Metropolitana, defronte a ela o grande prédio que já foi um luxuoso hotel de tantas recordações. Bem perto, o Palácio de La Moneda onde Salvador Allende suicidou-se iniciando-se a ditadura de Pinochet.
Ruas de Santiago, caminhos percorridos a pé em manhãs muito frias, lembranças tão caras agora substituídas por imagens de destruição que, com força e determinação, serão substituídas por outras de reconstrução.