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Velhos camaradas

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Depois de certa idade rareiam-se os encontros com velhos amigos. Não sei se por conta de tendência a isolamento ou porque vai crescendo a preguiça em frequentar barzinhos, ir a shows etc. Segunda-feira passada Keith Jarret tocou na sala São Paulo e não me animei a assistir à apresentação do grande pianista de jazz. Olhe que se tratava de momento raro porque Jarret é de fato uma raridade. Ainda agora tenho na memória os acordes do famoso The Köln Concert gravado no Opera House na cidade de Colonia, Alemanha. Ouvi muito e de vez em quando ainda ouço o CD que substituiu o LP de Jarret cuja música convida a uma viagem ao imaginário com direito a variantes sempre novas.

Mas, aos amigos, pessoas que ficamos sem ver durante anos e de repente topamos com elas, inesperadamente. Dias atrás me encontrei com um antigo colega de faculdade, amigo no passado. Não sei dizer a quanto tempo não nos víamos e fiquei muito feliz ao encontrá-lo bem disposto, bem de vida, aparentemente bem em tudo. Entretanto, confesso que após alguns minutos não encontrávamos assunto em comum para falar. O longo tempo em que estivemos distantes funcionava como cadeia de montanhas a separar-nos em latitudes diferentes. Já não tínhamos nada em comum exceto a recordação dos tempos perdidos na memória. Trocamos informações sobre velhos colegas, através do meu amigo soube de dois outros que faleceram e do triste fim de uma nossa colega desaparecida em acidente.

Pois foi nesse ponto que a nossa conversa tomou rumo diferente. Contou-me o amigo que na verdade a colega desparecida em acidente fora sua mulher. Casara-se com ela anos depois de terminada a faculdade. Encontrara-a numa recepção, aproximaram-se e deu no que deu. Confessou-me ele amá-la muito e ainda agora não ter-se consolado. Tiveram dois filhos e uma vida feliz.

Despedimo-nos com abraço forte, prometendo-nos novo encontro que sabíamos não virá a acontecer exceto por puro acaso. Depois que ele se foi lembrei-me da moça que mais tarde se tornou a mulher dele. Fora ela em sua juventude moça muito bonita e algo sonhadora. Conversava com ela que, entre outras qualidades, gostava de poesia. Era fã incondicional da poesia francesa e recitava sem ler versos de Verlaine e Baudelaire. Destacava-se no aprendizado profissional, inteligente que era. Confesso que naquele tempo jamais eu poderia supor que um dia ela viesse a se casar com o amigo que encontrei agora. Era ele um tipo reservado, mais para autossuficiente, determinado, cuja personalidade não se ligaria à de uma sonhadora e amante de poesia.

A vida é surpreendente, não? Não é que os dois casaram-se e foram felizes? Pois é esse lado inesperado, a capacidade de juntar extremos que aparentemente nada tem em comum que faz da vida um mistério fascinante.

Segundo seus biógrafos as últimas palavras de Machado de Assis foram: “A vida é boa”.

Pois é, a vida é boa.

Escrito por Ayrton Marcondes

5 novembro, 2012 às 11:02 am

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