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Morte em Veneza
Nesses tempos de produções rápidas e licenciamento do que é profundo e capaz de convulsionar o espírito, “Morte em Veneza”, do escritor alemão Thomas Mann, é livro para se ler e meditar.
“Morte em Veneza”, publicado em 1912, é um diálogo com a beleza e suas terríveis implicações. Trata-se da história de um escritor austríaco, Gustav Von Aschenbach, que vai a Veneza para descansar e vê-se atraído pela beleza incomum do jovem polonês, Tadzio, que ali passa férias com a sua família. Que não se pense em pedofilia ou numa simples narrativa sobre atração sexual: o que está em jogo é a ligação de Von Aschenbach com a beleza em seu estado mais puro, a busca do escritor pela forma exata que talvez não consiga atingir em sua arte.
A relação entre Von Aschenbach e Tadzio não chega a existir, na verdade entre os dois não há troca de uma única palavra. Gera-se um conflito à distância que se reflete sobre a alma de Von Aschenbach, cada vez mais torturada pela presença do belo. É nesse ponto que a perfeição absoluta do texto e a beleza em estado puro se confundem: ambos se revelam inatingíveis para o escritor, daí ele mergulhar numa crise profunda e sem remédio.
A trama se passa em Veneza, no período em que a cidade sofre com uma epidemia de cólera asiática. A simbologia envolvendo a beleza e a degradação está em todos os planos da narrativa: aqui uma cidade maravilhosa sob o influxo da peste; ali um velho que se maquia para parecer novo e estar entre os jovens e o próprio Von Aschenbach que pinta os cabelos, mudando o seu visual numa tentativa esdrúxula de tornar-se algo mais próximo de Tadzio.
“Morte em Veneza” é um livro profundo e que admite inúmeras leituras, bem além deste esboço levíssimo e rápido. A obra serviu ao diretor italiano Luchino Visconti para a realização de um filme com o mesmo nome. No papel de Von Aschenbach está o ator Dick Bogarde; Tadzio é representado por Björn Andrésen; e a sempre maravilhosa Silvana Mangano faz a mãe de Tadzio.
Visconti abusa de primeiros planos nos quais a tela é preenchida pelo rosto de Dick Bogard, no filme um músico e não um escritor. São as expressões faciais do ator que nos introduzem no drama da atração irresistível de Von Aschenbach por Tadzio. Muitos são os momentos em que a imagem torna as palavras desnecessárias. É dentro de um clima circundado pela beleza de Veneza que se desenvolve a desestruturação de Von Aschenbach. A previsível tragédia desenrola-se lentamente, nutrindo-se de pequenas coisas que se somam e atuam sobre o espírito frágil do compositor.
Vale a pena ler Thomas Mann e ver o filme de Visconti que recebeu prêmios nos anos de 1971 e 72. “Morte em Veneza”, do Prêmio Nobel Thomas Mann, pode ser encontrado nas livrarias em traduções para o português do Brasil e de Portugal. O filme do diretor Luchino Visconti existe em DVD e, vez por outra, é reapresentado na televisão.
O inolvidável Hitler
Se há um serviço que Hitler prestou a escritores e editoras foi o de fornecer assunto para intermináveis publicações. Hitler vende. Basta visitar qualquer livraria e dar uma olhada geral nas bancas: você certamente encontrará vários livros que trazem o nome do genocida na capa.
Ontem fui a uma livraria e dei com livros relacionados ao ditador nazista. O primeiro deles não é novidade, mas creio que seja edição recente, publicada pela Zahar. Trata-se do conhecido texto escrito pelo escritor Thomas Mann. O livro se chama “Ouvintes alemães”, “Discurso contra Hitler”. Nesse texto de 1940 Mann fala sobre a sua convicção de que Hitler não ganharia a guerra. Baseava-se ele em razões morais e metafísicas, mais que militares.
Outro livro publicado pela Zahar chama-se “Guerreiros de Hitler”, de autoria de Guido Knopp. O autor analisa a atuação de seis nazistas, mostrando que, em alguns casos, houve arrependimento por terem acreditado no Fürer. Duas das personagens analisadas são o marechal-de-campo Erwin Rommer e o estrategista Eric Von Manstein.
“Os órfãos de Hitler” é um romance de Paul Doswell que conta a história de um menino polonês de origem judaica cujos pais foram mortos pelos nazistas. Graças ao seu aspecto físico, o menino chamado Piotr Bruck é adotado por nazistas e assiste a cenas terríveis que o colocam em crise.
“A Biblioteca Esquecida de Hitler”, publicado pela “Companhia das Letras”, resulta da pesquisa feita por Thimothy W. Ryback. A intenção do autor é a de catalogar e mostrar os livros que moldaram a vida do Fürer.
Esses são os livros que trazem o nome do homem na capa. Ao lado deles existem outros sobre a Segunda Guerra, o genocídio e assuntos relacionados aos graves eventos iniciados em 1939.
Se fizermos bem as contas veremos que os leitores brasileiros são – e sempre foram – muito bem servidos em relação ao assunto nazismo. Bem até demais. Que a Alemanha viva em permanente crise em relação à sua participação histórica vá lá. Mas o Brasil? Por que se publicam tantos títulos sobre o assunto em nosso país?
Obviamente, em se considerando que o ramo dos livros é um negócio, as publicações justificam-se porque existe um público leitor para elas. Ou seja: há investimento e existe retorno, fato que nos leva a outra pergunta: por que os brasileiros consomem tanto o hitlerismo?
Não me meto a responder embora me passem pela cabeça algumas razões para essa forma de atração fatal. Aos que possam alegar fins educativos e formas de conscientização digo que isso pode até ser correto, mas não se trata do principal.
Bem, os livros que vi são esses. Se você estiver interessado, fique à vontade. Confesso que à exceção do texto de Thomas Mann – que li no passado – os outros não me interessam agora.
Essa história de nazismo é importante, mas também cansa. Basta lembrar do cinema que não dá folga em relação a isso.