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Horário eleitoral
Trânsito pesado, de vez em quando o motorista da van deixa escapar uma imprecação. São Paulo está cada vez mais terrível, caótica, vai chegar o dia em que haverá um nó insolúvel e tudo vai parar, talvez definitivamente.
Os passageiros viajam quietos. São dois homens que não se conhecem, ambos vão para o aeroporto de onde seguirão para destinos diferentes. O motorista liga o rádio e ouve-se um jornal da manhã que de repente é interrompido pelo horário eleitoral obrigatório. O locutor do jornal radiofônico não se faz de rogado ao anunciar o horário eleitoral: explica aos ouvintes que por determinação superior eles não poderão ouvir as notícias do dia e serão obrigados a participar das campanhas, exceto se desligarem os rádios.
Mal começa a arenga dos partidos antagônicos e o motorista protesta, dizendo que ninguém merece ouvir aquilo, tal e tal. É quando um dos passageiros se irrita e também protesta contra a imposição do governo. Então o motorista aquece a irritação geral com um comentário sobre a Hora do Brasil. A certa altura ele pergunta se alguém ouve a Hora do Brasil e o outro passageiro, um japonês, responde que às vezes ouve.
A partir daí fecha-se o circulo entre os três homens que passam a falar sobre as próximas eleições e o perfil dos candidatos. O japonês entra de sola na conversa, criticando os políticos a quem acusa de incompetência. Então o outro passageiro diz que candidatos a cargos públicos deveriam ser obrigados a fazer um curso no qual seriam explicadas a eles suas atribuições, caso eleitos. Como não poderia deixar de ser o nome de Tiririca vem à baila, afinal um palhaço é um palhaço e não serve para o Congresso. O japonês ouve esse comentário e apressa-se a expor a sua teoria a respeito de candidatos e competência. Ele diz:
- Em primeiro lugar um curso não daria muito certo porque nesse país o professor seria de encomenda, sabe-se lá comprometido com quem. Agora, não vejo a questão do Tiririca pelo prisma que se fala. Para mim o fato de ele ser analfabeto não muda nada. Ele não serve porque é palhaço, essa é a profissão dele e nada mais. O mesmo acontece com artistas, jogadores de futebol, essa gente toda cuja celebridade conquista votos. Então o Gilberto Gil, o Caetanto Veloso e os outros não serviriam porque o que sabem fazer é outra coisa, bem diferente das atividades legislativas. Aqui no Brasil basta um sujeito aparecer e já é considerado intelectual. Veja o Jô Soares que é muito bom no que faz, mas intelectual… As pessoas admiram muito o Jô porque ele fala sobre tudo, mas se esquecem do ponto que ele tem atrás da orelha, do sujeito que sopra no ouvido dele quando há dificuldade em relação a um assunto. A mesma coisa pode-se falar do Paulo Coelho que para mim não é nem nunca vai ser um intelectual. O caso é que estão pegando no pé do Tiririca porque ele não sabe ler, mas o foco está errado, muitos outros sabem ler e escrever, mas simplesmente não servem para o legislativo e muito menos para o executivo.
O outro passageiro fala, concordando com o japonês, acrescenta que é por essas e outras que o Brasil é assim e coisa e tal. A conversa segue até que chegam no aeroporto. Os passageiros se despedem com um aceno de cabeça, por alguns minutos jogaram conversa fora, partem certos de que nada vai mudar, o Brasil é o que é e pronto.
O caminho dos votos
Não há como se evitar o horário político. Ainda que tentemos ignorá-lo, volta e meia damos de cara com pelo menos uma parte da programação dos partidos. É assim que somos contatados pelos candidatos e tomamos ciência da existência deles.
A pergunta que se faz é a seguinte: são os candidatos a cargos eletivos retrato da atual classe política do país?
Descontadas algumas presenças importantes, o horário político é um festival de horrores, mormente na parte em que se apresentam os candidatos a cargos eletivos estaduais. Pessoas que adquiriram popularidade em suas atividades fazem uso de seu destaque para arrebanhar eleitores. Jogadores de futebol, boxers, palhaços e até a Mulher Pera apresentam-se com mensagens que, no fundo, não passam de descaso à importância do cargo que assumiriam caso eleitos. O interessante é que o modo, digamos exótico, de algumas apresentações acaba caindo no gosto popular daí candidatos que em nenhum momento parecem levar suas candidaturas a sério correrem o risco de vir a ser eleitos.
Não sei como as coisas se passam em outros países, quem sabe de modo semelhante ao que entre nós acontece. É bom lembrar que em eleições anteriores os brasileiros tiveram oportunidade de manifestar, através do voto, a sua insatisfação com a classe política. As expressivas votações consagradas ao rinoceronte Cacareco e ao macaco Tião são muito ilustrativas nesse sentido.
Se prevalecer a forma de protesto que se mostrou tão eficiente no passado poderemos assistir, no pleito de outubro, à vitória de candidatos que parecem nada ter a ver com os interesses políticos do país.
Mas, que não se enganem os analistas: Mulher Pera, Tiririca, Agenor Bisteca e alguns outros são, sim, candidatos fortes e a eleição deles não será, de modo algum, surpreendente.