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Torcer ou não torcer
Vi aqueles soldados do Exército sendo aclamados em seu retorno a Itu onde existe um regimento. Desfilavam em caminhões pelas ruas da cidade, como heróis. A batalha contra os perigos que rondavam o futuro do Brasil fora vencida. A Revolução de 64 vingara e Castelo Branco substituíra Jango. O perigo do país tornar-se outra Cuba havia passado. Em pouco tempo os militares acertariam as coisas e devolveriam o governo nos moldes da democracia. Ninguém falava em ditatura. Tratava-se de período transitório, necessário à restauração da ordem no país.
Dois dias depois fui a um clube da cidade, acompanhando amigo que era sócio. Não sendo sócio tive que aguardar permissão para entrar. Conduzido à diretoria encontrei o presidente que era militar. O sujeito descarregou sobre mim todo o ódio que nutria pelos civis que haviam levado o Brasil à situação atual. Gritando, colocou-me para fora. Não admitia o desrespeito à ordem: que pensava eu ao tentar infringir o estatuto do clube, frequentando lugar onde não era sócio e para o qual não contribuíra com um único centavo? Ali comecei a entender o sentido da “revolução”.
Amávamos o Brasil. Amamos o Brasil. É nossa terra. Vamos ao estrangeiro, achamos tudo maravilhoso, mas de repente vem a saudade do nosso país, dessa confusão à qual estamos, infelizmente, habituados. Mas, militares ou não no controle, amávamos o nosso Brasil.
Então veio 70. O João Saldanha inventou aquela história de “feras” para designar os craques do nosso futebol. Saiu o Saldanha, veio o Zagalo, continuaram as feras. E que feras. Aquele escrete maravilhoso com Gerson, Tostão, Rivelino e Pelé. Meu Deus, Pelé. E foi o que foi.
No dia do jogo contra Uruguai encontrei um amigo na rua. Só se falava sobre o jogo de modo que puxei o assunto com o amigo. Ele me perguntou se eu ia ver o jogo. Acrescentou que torceria loucamente pelo Uruguai. Fiquei estarrecido. Então o amigo me cobrou posicionamento político. Lembrou-me que estávamos no auge da repressão, governo Médici. Tínhamos um conhecido, militante de esquerda, que tinha desaparecido. Não poderíamos torcer pela seleção cuja vitória seria utilizada pela propaganda militar como sinal de sucesso do país.
Confesso ter assistido ao primeiro tempo bastante nervoso. Meu coração dialogava com a minhas convicções numa batalha sem fim. Aí veio o gol do Brasil e meu coração venceu: eu torcia pelo nosso futebol que não pertencia a governos, mas ao povo.
Sei lá. Não sei dizer como me comportaria se vivenciasse hoje aquela situação. Ficaram as imagens da final contra a Itália e a chegada da seleção a São Paulo. A cidade saiu às ruas para receber nossos heróis de chuteiras. Fiquei perto de um viaduto na 23 de maio, esperando. Lembro-me de ter visto Rivelino e outros craques sobre o caminhão dos bombeiros. Emocionávamos às lágrimas. Tinha muita moça bonita lá, vendo a seleção passar.