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Verão muito quente
Estão quebrando o pau no Egito onde o ditador Hosni Mubarak está em maus lençóis. O povo egípcio saiu às ruas, exigindo a saída de Mubarak que se sustenta no cargo graças ao apoio de militares. A violência corre solta no país das pirâmides com direito a tanques nas ruas, intimidações, mortes e toda a repressão que consta da cartilha de ditadores ameaçados. A crise aumenta e preocupa os demais países. Os EUA pedem o fim da ditadura no Egito enquanto caças e helicópteros fazem voos rasantes sobre a multidão para intimidá-la.
Mubarak tem 82 anos de idade e está no poder a 30 anos. Não quer largar o osso de jeito nenhum. Enquanto isso, turistas lotam o aeroporto do Cairo, tentando sair do país e saqueadores se aproveitam da confusão. Notícias recentes nos dão conta de que saqueadores invadiram o Museu Egípcio do Cairo, local onde se encontram tesouros dos tempos dos faraós.
E assim caminha a humanidade, dando-nos a impressão de que a história é perversa porque fatos como os de agora no Egito se repetem e nada muda de verdade. Mais hora, menos hora, um ditador é deposto, correndo-se o risco de que outro usurpador de direitos se assenhore dos governos e prepare lentamente a cama para novas revoltas no futuro.
Ninguém que pare só por um minuto para observar os fatos que acontecem no Egito deixará de notar que já viu muitas vezes o mesmo filme antes, podendo jurar que voltará a vê-lo em futuro não distante. E as coisas correrão mais ou menos do mesmo modo, em alguns casos com a destituição do ditador e uma tremenda crise posterior caracterizada pela luta entre facções interessadas em assumir o poder.
De todo modo, a crise no Egito chegou para preencher um espaço vazio de notícias impactantes de vez que as chuvas deram uma trégua e as atenções já se desviaram dos trágicos acontecimentos ocorridos em Teresópolis e cidades próximas.
Ao que parece nos dias que correm a imprensa está fazendo força para se adaptar a uma nova realidade política no Brasil: acaba de se instalar uma espécie de vazio pela ausência de um presidente que falava pelos cotovelos, coisa que dava muito pano para manga nos noticiários. A nova presidente vem se esmerando em silêncios e enfrenta problemas gravíssimos como esse da necessidade de cortes no orçamento de vez que seu antecessor gastou mais do que devia, mormente no último ano de seu governo.
No mais há que se relatar o forte calor deste verão. Nas regiões praianas do sudeste a coisa está muito brava, chegando-se ao insuportável. O fato é que, nessas condições, fica muito difícil produzir alguma coisa que valha a pena o que me faz lembrar aquelas teorias deterministas do século XIX segundo as quais o clima seria um dos fatores a afetar diretamente o crescimento dos países. No caso do Brasil, de um lado o clima, de outro a miscigenação, concorreriam para que o país não fosse em frente. Justificavam-se os defensores dessas teorias comparando o desenvolvimento dos países de clima temperado e frios com os localizados nas regiões equatoriais e quentes: absurdo que infelizmente contava com a concordância de boa parte da elite cultural brasileira da época citada.
Já que toquei no assunto, existe um texto do crítico José Veríssimo, datado do início do século XX, no qual ele reclama do calor excessivo no Rio, dizendo que o clima atrapalha qualquer forma de produção inteligente. Racismo a parte – Deus me livre – o fato é que sob esse calor as coisas ficam mais difíceis.
Notícias do Brasil
Ao telefone um parente que mora no exterior pede notícias sobre o Brasil. Tenho vontade de dizer que as coisas estão como sempre, mas não. Ele soube pelo noticiário internacional da tragédia na região serrana do Rio e me pergunta se é o que dizem ou há exagero. Repondo que não sei por que de uns dias para cá eu me nego a assistir a qualquer telejornal que se ocupe do assunto. Pudera. O fato é que não dá para assistir, impassível, a uma desgraça daquela dimensão. De parte da perda de bens matérias fica a de centenas de vidas. Digo ao meu parente que não suporto ver pessoas chorando porque perderam tudo ou, simplesmente, porque famílias inteiras estão soterradas debaixo de um mar de lama. O maior problema da realidade acontece quando ela se torna irracional, quando as perdas superam a capacidade de compreensão, quando começa a pairar no ar a terrível pergunta: afinal, o cara que inventou esse mundo era mesmo bom?
Não fiz a pergunta ao meu parente. Ele é muito instruído, verdadeiro rato de bibliotecas que adquiriu cultura invejável. Todo mundo sabe que o apuro de conhecimentos nem sempre anda de braços dados com a fé religiosa. Depois existem aqueles ramos da filosofia que geram tantas dissidências da fé.
Aconteceu ao meu parente: ele que foi batizado, crismado e cresceu dentro de família religiosa, a certa altura divergiu da fé. O fato é que ele chegou à negação de tudo, isso para desespero da mãe dele, senhora de credo e muita fé. Pois. Também aconteceu a ele envelhecer e aproximar-se do pórtico em que a grande dúvida se instala e muita gente socorre-se na fé. Não que ele agora seja carola. Digamos que se afastou de Nietsche e do materialismo dialético que embasou seu raciocínio nos últimos trinta anos. Agora ele é regressista, alguém que junta os cacos de algo que quebrou para ver no que dá. É o insondável, a perspectiva do outro lado o que mais o preocupa.
Portanto, não perguntei a ele se Deus é bom ou não. Mudei de assunto, falei sobre o novo governo e a presidente que ainda não se sabe a que veio. Expliquei que ela recebeu uma herança de popularidade à qual deve fazer jus embora nem de longe tenha perfil para isso. É uma burocrata, uma burocrata algo misteriosa que substituiu a um falante. Aliás, que me perdoem os que admiram tanto o ex-presidente, mas está uma delícia não vê-lo a todo o momento nos meios de comunicação, falando pelos cotovelos, exercitando o seu narcisismo.
No fim da conversa o meu parente perguntou sobre a reação dos brasileiros ao caso Battisti. Respondi que não vi nenhuma reação digna de nota. O ex-presidente recusou-se a extraditá-lo no último instante de seu governo e agora a bola está como o STF que, ao que parece, vai rever o assunto. A minha opinião? Ora, estão segurando o italiano aqui por fidelidade a modelos esquerdistas superados. O Battisti está condenado à prisão perpétua na Itália por atos de banditismo e isso em quatro instâncias. Mais: a razão alegada pelo Brasil de que o prisioneiro poderá sofrer perseguição na Itália não procede, afinal a Itália é uma democracia. Mas, que se pronunciem os juristas.
Desliguei o telefone e não pude deixar de pensar na lógica do Criador, ser infinitamente bom, mas que expõe o homem a tantas provações. Lembrei-me de famílias desfeitas e de tanta gente chorando. Vieram as imagens de Teresópolis e outras cidades vergastadas pela fúria das tempestades. Sinceramente, não me foi possível encontrar lógica em tanto sofrimento. A questão da bondade divina é antiga e sobre ela debruçaram-se grandes filósofos. Quem sou eu para colocar a minha pá nessa terra tão adubada de opiniões? Mas, por que tanta desgraça?
Tragédias como a acontecida na região serrana do Rio fazem-nos pensar sobre o certo e o errado, a bondade e a maldade e, mais que isso, sobre o sentido da vida.