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Trair e coçar
Tem gente pra tudo. Um cara que conheço foi traído pela mulher e, louco da vida, separou-se. Vendeu casa, carro, barco, terrenos, dividiu o dinheiro com a mulher, esconjurou-a e tudo o que queria na vida era nunca mais ver a desgraçada. Era louco por ela, sofreu que nem um cão. Quando me encontrava com ele falava barbaridades sobre aquela “prostituta” que o traíra com um Zé Ninguém, sujeito mal ajambrado, duro, sem nada, além do mais feio e desajeitado. Não se conformava por ser trocado por um cara assim ele, um sujeito elegante, bem de vida, endinheirado, ótimo partido e companhia para qualquer mulher, bonito até com os seus olhos claros e o cabelão bem cuidado, roupas de grife, Montblanc no pulso, Alfa Romeu do ano para andar por aí.
Aconteceu com ele, pode acontecer a qualquer um, mulher é mulher, ainda mais a dele que não era de jogar fora, bonita e com um corpão daquele de se fazer psiu. Pois. Pouco mais de um ano depois encontrei o gajo na porta do banco, saindo todo sorridente. A primeira coisa que fiz foi cumprimentá-lo efusivamente, dizendo que estava na cara que ele havia superado o desastre, o grande trauma, era feliz de novo, por certo encontrara uma grande mulher, a mulher da vida dele, aquela para cujos braços um cara bom como ele nasce predestinado. Mais sorridente ainda ele concordou comigo: disse estar muito feliz porque mulher que a gente ama de verdade é uma só na vida, não tem jeito de amar tanto duas diferentes. Ao que eu disse que então a atual era a definitiva, aquela do passado fora episódica, o amor prega dessas peças na gente, mas a vida é boa porque tudo dá certo, ah como a vida é boa e Deus justo.
Pois é. Depois que falei essa baboseira toda o sorriso dele se fechou um pouco. Ainda era sorriso, mas daqueles contidos de quem vai fazer uma revelação, confissão das grandes. Estaria ele, exigente que era, de caso com alguma beldade conhecida, dessas que aparecem em capas de revista e despertam desejos na massa incauta de machos? Nada disso. Qual não foi o meu espanto quando ele, um tanto divertido como um menino que acaba de fazer uma grande travessura me disse:
- É ela.
- Ela quem?
- Ora, a minha mulher, a única.
Rapaz, fui obrigado a me encostar à parede para não cair. Aquela “prostituta”, a “rampeira” que o traíra com o sujeitinho mal ajambrado, estava de volta ao lar para felicidades dele. Explicou-me que tudo não passara de um engano, mulher passa por crises assim, coisa comum nos trinta anos de idade. Ela pensara que se apaixonara pelo gajo, coisa, aliás, impossível com um camarada daqueles, feio e pobre. Para ser sincero – disse-me ele - a minha mulher jurou que nunca, de jeito nenhum, se deitou com aquele desgraçado que não merece a atenção de um casal tão feliz e inseparável como nós.
Tenho comigo que ao acordarmos de manhã deveríamos ser avisados sobre possíveis grandes surpresas a acontecer nas horas seguintes. Seria muito justo que nos avisassem para que não ficássemos como fiquei ali, na porta do banco, estarrecido, olhando para aquele homem que decidira acreditar no que lhe convinha e era tão feliz, enormemente feliz, por acreditar.
Não vou contar o resto da conversa porque não houve resto da conversa. Desejei felicidades, arranjei uma desculpa qualquer para a minha súbita pressa e entrei no banco convicto de que existe uma ordem superior das coisas que determina que esta vida seja irremediavelmente absurda e ponto final.
Agora leio que um rapaz em Londres traiu a mulher e anda pelas ruas com um cartaz pregado no peito no qual se lê que ele traiu a mulher e pede perdão, quer ser readmitido em casa. Carrega o cartaz para penitenciar-se de uma falha, de um erro grosseiro porque ama a mulher, daí purgar-se publicamente por seu enorme pecado.
Do que concluo que os seres humanos são criaturas irremediáveis.