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Mulheres esquartejadas
Dizer que assunto de homem é mulher pode ser exagero embora o persistente e tenaz empenho dos homens e falar sobre e, principalmente, observar mulheres. Rodinhas de homens ocupando-se dos assuntos mais sérios - futebol, por exemplo – descabam no mínimo para olhares interessados quando por perto deles passa alguma desavisada gostosona. Já entre as mulheres encontram-se reações diferentes em relação a atitudes desrespeitosas de homens, variando da indignação a certo grau de compensação pelo exibicionismo muitas vezes bem planejado.
Outro dia uma amiga, na casa dos 50 anos de idade, apareceu muito produzida ao que os colegas de trabalho reagiram dizendo que ela, no momento vivendo sozinha, teria algum plano estratégico em mente para laçar alguém. Do que ela riu bastante para depois, após o “quem me dera”, contou que acabara de passar por perto de uma construção e recebera assovios dos operários que lá trabalhavam. Disse isso e sentenciou: no dia em que você passar por uma obra e não receber nenhum assovio, então tudo estará realmente acabado.
Entre os homens há de tudo como se sabe. O tom geral em relação às mulheres deve ser de discrição e respeito, mas não é o que acontece. Olhares insistentes são até mesmo o que menos importa. O pior são atitudes agressivas acompanhadas de palavreado totalmente impróprio utilizado por uma verdadeira legião de acanalhados. Acontece em todo lugar, na rua, na condução, no serviço, nas lojas etc. Existem aqueles caras, em geral muito mal resolvidos, para quem mulher definitivamente é a única coisa que importa. Conheço um português velho que é fissurado no assunto e não sabe abrir a boca para dizer coisa que não se relacione a sexo de mulheres. Chega a ser insuportável ver um cara em rota de decrepitude final, falando as baboseiras de sempre, puxando assunto para comentários eróticos nos quais sempre arranja um jeito de envolver mulheres conhecidas. Enfim, a espécie humana prima por oferecer espetáculos de todo tipo.
Não sei se as pessoas já viram no site do UOL as tais “Gatas do Brasileirão”. São mulheres jovens, dotadas de físicos bonitos e atraentes, cada uma representando um dos times que competem no Brasileirão. Aparecem vestidas sumariamente nas fotos e suas qualidades físicas são confrontadas quando as equipes que representam jogam entre si. Assim, outro campeonato corre paralelo aos jogos entre as equipes que disputam o Brasileirão. No dia de um jogo as beldades que representam os times são postas lado a lado, fulana versus fulana, e o público vota na preferida. Deriva daí uma classificação baseada nos pontos obtidos através da votação do público que se delicia em observar as qualidades físicas das competidoras.
Sendo o mote do campeonato a observação do físico privilegiado das mulheres os responsáveis pelo evento esmeram-se em oferecer à dedicada e persistente torcida votante fotos que permitam observar melhor e votar com acerto. Vai daí que não bastam as fotos de corpo inteiro nas quais se valorizam seios e bumbuns volumosos. A coisa vai mais além com a apresentação de fotografias nas quais aparecem apenas detalhes do corpo. Aqui só parte das costas e o bumbum, ali só os seios, noutra apenas as coxas e região inguinal, fotos sem as faces das mulheres cujos físicos passam definitivamente à categoria de objetos de consumo. Esse esquartejamento, a partição do corpo, é inevitavelmente acompanhado de despersonalização. Mas, isso pouco importa: o que vale é o mergulho na intimidade, a devassa dos mistérios do corpo, o direito de decidir sobre o melhor bumbum, o poder que o sexo confere aos que votam em mulheres submetidas ao capricho da fama.