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Retratos
Imagens de pessoas a quem perdemos. Estão dentro de caixas amarelecidas. Os mortos vivem no escuro. Levanta-se a tampa de uma caixa e a luz interrompe o eterno descanso. Do papel saltam pessoas ansiosas como se prontas a revelar segredos tão bem guardados. Aquele homem, não foi ele que no carnaval de 98… O rapaz de olhos claros que foi levado num acidente, dizem que corria muito na estrada para Curitiba. A parenta que se suicidou sem deixar nenhuma explicação. Dizem que se apaixonara por malandro que a enganara. Ela está bonita na foto em seu corte de cabelo fora de moda, mas esvoaçante.
Murmúrios. Velhas histórias retornam com toda força. Família se reúne à volta da mesa de almoço. Conversam nem sempre placidamente. O pai que olha para o fotógrafo nunca se deu bem com o filho sentado do outro lado da mesa. Presos à circunstância de momento essas pessoas estão subitamente redivivas. Nada os impede de reviverem na memória do observador que as conheceu e acompanhou nos dias derradeiros de suas existências. Todos mortos, entretanto tão presentes, tão fortes, preservados numa fotografia.
O homem que quebra o selo da caixa dos mortos não o faz por acaso. Não se trata de encontro casual com um pacote há muito esquecido no fundo de uma gaveta. O homem que agora segura a caixa e olha para as fotos age de caso pensado. Ele procura, entre tantas, a imagem da mulher a quem tanto amou. Mas, estranhamente, não a encontra. Em vão repassa, retrato por retrato, o conteúdo da caixa sem que a imagem da amada surja diante de seus olhos.
É caso estranho esse. Ele procura por aquela que o deixou por outro e o fez sofrer. Mas, talvez ela não queira mais ser vista por ele. Dizem que caixas amarelecidas onde se guardam velhas fotos seguem regras próprias. Há quem afirme que os mortos das fotografias têm, no outro mundo, direitos assegurados. Talvez em nome de seus direitos a mulher procurada tenha se eclipsado. Ela bem que o avisara ao observador de que não queria vê-lo nem mais ser vista por ele: nem na vida, nem na morte.