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O sino da igreja

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Do portão pende um fio, barbante grosso. Puxo o fio e abro. Depois a porta da casa, a porta do quarto. Bato antes de entrar. Sei que ele está lá, já não sai da cama exceto para ir ao banheiro.

A mulher não está em casa, teria ido à padaria. São quase dez da manhã. Entro no quarto e ele se mostra feliz ao me ver. Insisto para que não se levante, mas eis que o corpo magro se ergue, apoiando-se num dos braços. Sento-me ao lado dele e continuamos a conversa que já dura setenta anos.

Impressiona a magreza dele. Mas, a voz, agora não tão forte e mais profunda, é a mesma. Os cabelos, crescidos, compõem um rosto que, se nunca foi belo, figura-se, ainda agora, atraente.

Ele não reclama. Aceita seus 83 anos com dignidade. Parece não levar a doença tão a sério. Não entende de onde terá surgido o problema do pulmão que dificulta a respiração. Mas, se a mãe e a irmã, já mortas, também tiveram o mesmo problema… Coisa de hereditariedade.

Falamos um pouco sobre tudo. Ele me explica que nesses dias suspendeu os remédios para dar chance de recuperação ao estômago. Tem uns comprimidos que causam tanta gastura…

Depois nos lembramos de velhos conhecidos que desertaram desse mundo. O Manoel morreu cedo, também bebia muito. Era ótimo marceneiro, a pinga acabou com ele. Falo sobre o Jair que também está morto. Ele me corrige: não, o Jair está vivo! Ele está como eu, não sai mais à rua.

A casa em que estamos fica ao lado de uma praça em cujo centro está a igreja matriz. Do quarto podem-se ouvir as badaladas do sino da igreja. De repente ecoam as badaladas das dez horas. Pergunto a ele se o barulho do sino não o incomoda. Ele me olha e sorri, dizendo estar justamente à espera do “seu” sino.

Acontece toda vez que alguém morre. O falecido passa pela igreja antes de ser levado ao cemitério. Durante o féretro o sacristão sobe à torre e toca o sino, badaladas que se repetem, vagarosas, espaçadas, mas que todos sabem: é o sino da morte.

O homem que está a meu lado sabe que já não resta a ele nada mais que senão esperar. Não mais se levantará para fazer o que quer que seja. Se sair à rua será amparado pelo filho que o levará ao médico. Nada mais.

Ele aguarda o sino. As badaladas que soarão quando seu esquife sair da igreja em direção ao cemitério. O sino que toca nas mortes. As suas badaladas finais que ele não ouvirá.