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O Othon Palace de São paulo
Mês passado fui ao centro de São Paulo e não pude conter a tristeza pelo abandono e degradação em que o lugar se encontra. Desde já deixo explícita a minha adoração pelo velho centro. Quando vim para são Paulo, no final da década de 60, o centro era o ponto elegante da cidade, situação que creio ainda se manteve durante bom tempo. Andava-se pela Rua São Bento, em direção ao largo de São Francisco, observando-se as vitrines das boas lojas de comércio. Uma delícia descer pela Líbero Badaró, passar pelo Viaduto do Chá e dar uma volta pela Barão de Itapetininga até chegar à Praça da República. Não existiam os shopping-centers de modo que o comércio importante ficava no centro.
Desci do metrô na Praça da República e segui pela Rua Conselheiro Crispiniano. Fui até o Largo do Paissandu. Tive a impressão de que havia se travado ali uma batalha e agora presenciava o que restara da luta. Sujeira por toda parte, prédios outrora vistosos agora com aparência degradada. E pensar em como era o centro, como nos divertíamos nele, o quão interessante era andar por ali para ver gente, demorar-se nas livrarias, tomar um bom café, ir a um cinema, jantar num bom restaurante. Coisas que se tornaram passado e, talvez, sobrevivam em algumas poucas memórias.
Na esquina da Rua Libero Badaró com o Viaduto do Chá ficava o imponente Othon Palace Hotel. Por acaso passar por ali fazia parte da minha rotina de modo que eu sempre tinha olhos compridos para o que se passava no hotel. Achava tudo aquilo o máximo do chique, guardado que era pelos porteiros uniformizados e galantes. Não custa dizer que nunca entrei no hotel cujas diárias estavam muito além das minhas então parcas possibilidades. Mas, dava orgulho de ver aquele hotel, a Praça do Patriarca, o Viaduto do Chá e a imponência do Teatro Municipal. Outra e velha São Paulo, outros tempos que se espera retornem-se um dia com a prometida e nunca cumprida proposta de revitalização do centro.
Pois leio que o majestoso Othon Palace foi desativado em 2009 devido a preferência pelos hotéis situados em regiões mais nobres da cidade. No momento está sendo ocupado por comunidades sem-teto que agora vivem em suítes onde se hospedaram a Rainha Elizabeth 2ª e chefes de estado. Consta que o ex-prefeito Kassab queria utilizar o prédio para nele instalar gabinetes da prefeitura que hoje funciona ali do lado, no Edifício Matarazzo.
Sobre o Othon tenho um caso curioso. Um amigo tornou-se noivo de moça do interior e quis impressionar os pais dela quando certa vez vieram a São Paulo. Para isso, convidou-os a um jantar no famoso restaurante Chalet Suisse localizado no último andar do Othon. Ora o Chalet Suisse era restaurante de alto luxo, ponto de referência de boa cozinha. Acontece que o meu amigo estava empregado na época, mas sua verba seria um tanto reduzida. Em todo caso armou-se ele de um bom dinheiro que levou consigo, julgando-o suficiente para pagar pelo jantar. O caso foi que após se esbaldarem veio a conta e o dinheiro do bolso não foi suficiente para cobrir a despesa. Cheque ele não tinha de modo que o jeito foi pedir ajuda ao futuro sogro. No dia seguinte foi difícil animá-lo tão arrasado e deprimido se encontrava por aquilo que considerar um papelão que fizera. Mas, no final das contas casou-se mais tarde com a moça, terminou seu curso de Direito e tornou-se advogado e ministro de grande renome. A vida é assim.
Saudades do velho centro de São Paulo o qual, assim espero, volte a ser pelo menos parte do que já foi.
Viagem no metrô
Leio crônica de Danuza Leão sobre visita dela ao centro do Rio. A cronista conta que há muito tempo não ia ao centro e que o melhor era não ter ido porque ficou triste com a pobreza que viu. Tinha do centro lembranças muito boas, da época em que ali era o ponto chique do Rio. Boas lojas, restaurantes e gente interessante andando pelas ruas. Agora a visão do Largo da Carioca ocupado por barracas e lanchonetes anunciando pratos a R$ 10,50. Diz Danuza:
“Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de pessoas que circulava por ali. Eram muitas e todas, absolutamente todas, muito pobres. Em qualquer bairro do Rio existe gente pobre, mas não tantas assim, nem tão pobres. Era uma miséria absoluta, que se via nas roupas, nos sapatos –a maioria com uma sandália havaiana já bem usada– e nos rostos’.
Quando cheguei a São Paulo, ainda nos anos 60, o centro ainda era o grande centro com o comércio elegante e pessoas andando nas ruas trajando paletós. Eram comuns ternos, gravatas e chapéus. Aqui o Mappin, ali a Mesbla, enfim os grandes magazines funcionavam a todo vapor. Bons restaurantes, cinemas e, principalmente, segurança. Circulava-se nas ruas do Triângulo sem medo de ser abordado por algum malandro mal intencionado. São Paulo era o centro da cidade com todo o seu viço numa época em que ainda não existiam os shopping centers. Casa José Silva, Lutz Ferrando , Casa Manon, Breno Rossi, Restaurante Leão, Cine Olido, Cine Metro, H. Stern, o centro era o ponto de referência da cidade.
Hoje é o que é esquecido de seu passado, ocupado por milhares de transeuntes que correm de um lado para outro como se tivessem se perdido e já não fosse possível encontrar o caminho. Nada de ternos, paletós, gravatas e chapéus. A miséria e a pobreza escancaram-se para quem quiser ver.
Entrei no metrô. Era domingo. Impressionou-me uma mulher muito magra e usando um vestido longo, muito grande para ela. Nos pés sapatos simples, pretos, que não combinavam com nada. Ao ver as pessoas e reparar na pobreza de muitas delas não pude deixar de pensar nessa história toda de corrupção, de desvio do dinheiro público para fins escusos. Vieram-me à memória os projetos faraônicos, as estradas não terminadas, os favorecimentos, o dinheiro em paraísos fiscais, a transposição do São Francisco, a estranha autossuficiência do petróleo, as hidroelétricas que não saíram do papel, o mensalão e toda uma cadeia de horrores aos quais nos habituamos e contra a qual em geral silenciamos.
O que Danuza Leão viu no centro do Rio, o que se pode ver as ruas do centro de São Paulo e de outras cidades é a parcela de vida que cabe aos pobres que lutam diariamente pela sobrevivência e com os quais nenhum governo parece estar preocupado de fato. Trata-se desse Brasil imenso no qual as oportunidades não estão ao alcance de todos, isso sem falar no acesso a direitos básicos como saúde e educação.
Seria preciso que os candidatos fossem obrigados a utilizar os transportes públicos, visitar hospitais de periferia, inteirar-se realmente da situação de milhões de brasileiros que aguardam que algo de bom lhes aconteça. Talvez assim as coisas começassem a mudar, ainda que lentamente, em todo caso fugindo do discurso tosco das promessas que ouvimos todo dia e que sabemos muito bem que não serão cumpridas.
Aniversário de São Paulo
Aquele orgulho de conquistar um espaço na cidade grande continua em pé. Ele sempre fez parte de um orgulho ainda maior, representado pela existência de uma cidade como São Paulo, justamente em nosso Estado.
Cidade grande é imã, atrai gente, concentra negócios, gera oportunidades, exclui e integra dependendo da garra de quem a encara. Quem nasceu em São Paulo, o paulistano, tem histórias a contar. Quem veio de fora e deu um jeito de se sentir paulistano também tem muitas histórias. São Paulo é um mar de histórias interminavelmente continuadas no dia-a-dia do movimento das gentes, na velocidade dos carros que detonam o asfalto, nas favelas, nos ambientes chiques, na vida humana que se distribui por todas as regiões da cidade.
Ei, você se lembra de como via a cidade com os seus olhos de menino? Era mais acanhada, mais provinciana, talvez ciosa do valor que iria mostrar nas décadas seguintes, mas ainda contida como se revelasse alguma inveja das grandes metrópoles do mundo. Os bondes corriam nos trilhos, o comércio chique espalhava-se nas das ruas do Triângulo e arredores, descendo pelo Viaduto do Chá, espraiando-se na Barão, na Sete de Abril, um pouco em torno da Praça da República, do lado em que fica a Av. Ipiranga. Que ano? Sei lá, vá lá o final dadécada de 50 e início da de 60 quando as pessoas usavam ternos, ainda que mirrados, quando não um simples paletó, marcas registradas de outra ordem de coisas, atestados de civilidade e respeito, pujança de cidadania Nesse tempo a Rua São Bento era… ah, a Rua São Bento. Não havia o metrô, nem sonho dele na cidade que crescia e a Rua São Bento terminava em solo firme, sem as escadarias do metrô, defronte o Mosteiro de São Bento, fazendo par com a Rua Líbero Badaró, como ainda é hoje.
Eu andei por lá, você andou por lá, quem sabe parando um pouco no Largo do Café ou esticando até a esquina da Praça do Patriarca. Ali, bem na esquina da praça havia uma loja da Casa Fretin onde se viam, através dos vidros, toda a sorte de equipamentos médicos à disposição dos consumidores. Você se lembra?
Depois São Paulo mudou, os ternos foram para os cabides, as mulheres ousaram mais com suas roupas de tempos de rebeldia, o comércio elegante saiu do centro para sediar-se nos modernos shoppings centers e a vida tornou-se outra.
Então, agora que a cidade completa mais um ano de sua gloriosa existência, agora que não existem mais os restaurantes e cinemas de ontem na região do Largo do Paissandu, eu me pergunto por que falei justamente sobre os lugares que acabo de citar e não de outros. Por que a minha memória não correu atrás da Av. Paulista, do Bom Retiro, da Lapa, de Pinheiros, de Higienópolis e tantos outros lugares com tantas ruas interessantes por onde passamos?
Ora, é que para mim São Paulo sempre será o Velho Centro como o glamour de suas lojas e casas de comércio. Quanta dor quando o vimos em decadência até se transformar no que é hoje, só um centro de cidade com milhares de pessoas correndo como se não fossem a nenhum lugar, um centro que seria como outro qualquer, não fossem as memórias, as ruas de sempre, os itinerários que amamos e tudo aquilo que se tornou parte de nós e das nossas vidas.
É para o Velho Centro que dirijo os meus mais efusivos abraços no mês em que São Paulo comemora mais um aniversário. Alegra-me pensar que não estou sozinho ao agir desse modo: existem por aí centenas, milhares de pessoas, que percorreram caminhos semelhantes aos meus, amaram e amam como eu aquelas ruas.
Parabéns São Paulo. Vida nova ao Velho Centro.