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A prisão de Arruda
José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal, está preso. Não o prenderam pelos atos de corrupção de que é acusado: seu crime é tentativa de suborno de pessoa apta a testemunhar naquilo ficou conhecido como “mensalão do DEM”.
O fato é inédito. Historiadores buscam nas páginas da História caso em que um governador em exercício tenha sido recolhido à prisão. Mas Arruda conseguiu. De tempos para cá sua figura tornou-se intolerável pela sua cara de pau. Flagrado recebendo dinheiro de um acessor de seu governo veio ele a público explicar que se tratava de verba para a compra de panetones para pessoas carentes. Maior escárnio impossível. O Brasil inteiro viu as imagens de Arruda recebendo o dinheiro. O Brasil inteiro também viu políticos ligados a ele recebendo dinheiro que foi colocado em bolsas, nos bolsos e até dentro de meias.
Mas, o que se seguiu? Ora, um bem armado esquema de blindagem do governador que, para deixar o cargo, precisaria passar por um processo de impeachment. Por outro lado, as investigações sobre lavagem de dinheiro e corrupção demoram, o mesmo acontecendo com os processos, travados que são eles pelas inúmeras possibilidades de recursos impetrados à Justiça.
Vai daí que Arruda podia se dar ao desfrute de posar como inocente e, mais que isso, como injustiçado e perseguido. Escárnio, puro escárnio, no qual as regras legais do jogo forneciam ao governador meios bastante seguros de chegar ao fim de seu mandato.
O que José Roberto Arruda fez pelo Brasil foi levar a graus extremos a desfaçatez, arranhando de modo irreversível a já tão abalada classe política brasileira. Arruda expôs publicamente o emaranhado de artifícios de proteção e camuflagem de que dispõem os homens enquanto no poder. Ele mostrou sem qualquer crise pessoal e a céu aberto a força de manipulação de que podem se servir homens públicos mal intencionados.
O que Arruda fez de maior foi ilustrar o processo de corrupção, o modo de geri-lo e as formas de garantir a impunidade. Talvez por isso sua prisão tenha o sabor de revanche, de justiça enfim realizada, ainda que, depois do carnaval, um habeas corpus possa restituí-lo à governança.
Agiu bem o ministro do Supremo Tribunal Federal ao deixar Arruda preso nas dependências da Polícia Federal. Era o mínimo que a população esperava. A imprensa escrita e falada trata do assunto em tom de alívio, retratando o sentimento geral que domina o país.
Arruda está acabado, pego por um detalhe e não pelo principal de que é acusado. Mas, fincou uma estaca no peito da República. Se por um lado sua prisão nos garante a inexistência de cidadãos acima de qualquer suspeita, por outro nos revela quão frágeis são os meios de que se dispõe para punir aqueles que se locupletam com a prática da corrupção.
Dinheiro público carregado nas meias
Em matéria de corrupção o Brasil é pós-graduado. Não bastam os atos ilícitos em si: vez ou outra eles são ilustrados com tristes imagens de corrupção explícita. Mas, evolui-se: o dinheiro passou de dentro das cuecas para o interior das meias.
Uma coisa é tomar conhecimento de que fulano de tal é corrupto, tendo praticado tal e tais deslizes; outra é assisti-lo ao praticar o ato, na mesma dimensão que se presencia, por exemplo, uma cena de sexo explícito.
A intimidade de um crime, quando exposta, estarrece e indigna. Além disso, faz de quem a presencia partícipe de um momento de degradação. Existe a natural revolta diante do ato; há a crítica feroz ao que é inconcebível; mas, também vigora a desilusão com a natureza humana e a parcela de vergonha que nos cabe por um erro gravíssimo que, pelo menos em parte, nos faz sentir culpados.
Culpados? De quê? O cidadão mete a mão no dinheiro público e eu tenho lá alguma responsabilidade em relação ao ato dele? Pois é. Mas, esse cidadão pode ter sido eleito pelo meu voto, eu posso tê-lo levado, degrau por degrau, ao cargo que atualmente ocupa, tendo por obrigação zelar pelo bem público. Também não custa lembrar de que o mesmo cidadão pode ter sido acusado, no passado, de atos ilícitos que não levei a sério, achei que não eram graves e resolvi ignorá-los na hora de votar. E aí está o resultado. Então, sendo honesto comigo mesmo, caso tenha agido assim, devo assumir a parte que me toca nesse triste espólio.
Meu caro eleitor, as eleições vêm aí. Você que sempre se pergunta por que neste raio de país o voto é obrigatório, você que preferiria ficar em casa ao invés de comparecer à sessão na qual vota, você que não acompanha política, você que recebe algum tipo de ajuda do governo e acha que vive no melhor mundo possível, você que recebeu promessa de emprego de um candidato, você não pode ignorar o fato de que é um cara muito importante. O seu voto, meu caro, pode mudar muita coisa, no mínimo mudar a cara dos corruptos ou determinar um rodízio entre eles. Portanto, pense muito bem no que estará fazendo na hora em que entrar naquele cubículo onde está a urna ou o aparelhinho em que se digitam os votos.
Olhe, não estou dizendo tudo isso a você gratuitamente. Acontece que a primeira coisa que vi hoje foi a cena do presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Leonardo Prudente, recebendo dinheiro do então presidente da Codeplan (empresa do DF), Durval Barbosa. Veja só: o Prudente foi de uma imprudência total porque recebeu o dinheiro das mãos do Barbosa e enfiou parte nos bolsos, parte dentro das meias. Foi exatamente essa cena, a de um político enfiando notas de reais nas meias, locupletando-se com dinheiro público da maneira mais grosseira e explícita possível, que me fez sentir envergonhado.
Quem gravou a cena? O Barbosa. Aliás, também foi ele quem gravou a cena do governador Arruda recebendo aquele dinheiro que, segundo se diz, era para comprar panetone para os pobres.
Depois disso tudo, o mínimo que posso desejar a você é um bom dia.