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Torcidas organizadas
Dois torcedores do Palmeiras morreram após o confronto entre membros da Mancha Verde e da Gaviões da Fiel. Os dois grupos duelaram a propósito do jogo entre Palmeiras e Corinthians no último domingo.
Em Fortaleza realizou-se no domingo o jogo entre as equipes do Ceará e do Fortaleza. As torcidas dos dois times brigaram e viram-se cenas de vandalismo. Uma dessas cenas ocorreu durante a invasão de um hospital por torcedores que quebraram janelas, vidros e assustaram médicos e pacientes.
Com disse a amiga de um dos palmeirenses mortos, ele não foi o primeiro, nem será o último a morrer em ocasiões de confronto entre torcidas. Mas, o fato despertou reações: as torcidas organizadas do Palmeiras e do Corinthians estão, temporariamente, proibidas de entrar em estádios. Alguns torcedores que participaram da baderna foram identificados e estão presos. E a polícia promete aumentar a vigilância em dias de jogos.
Segundo disse um coronel da polícia o problema não está dentro dos estádios, mas fora deles, nos locais combinados entre as torcidas para o enfrentamento entre elas. No último domingo aconteceu de palmeirenses e corintianos marcarem o encontro em local que, segundo a polícia, seria o menos provável. A polícia trabalha com hipóteses e probabilidades e nem sempre acerta, daí proliferarem as lutas entre torcedores.
Entretanto, o que mais espanta é a disposição dos rapazes para participar desses embates nos quais é latente a possibilidade de perder a vida. As torcidas marcam seus duelos através da internet e existe orgulho de seus membros em participar deles. Quando alguém morre, torna-se herói do grupo. Segundo se informa um dos torcedores mortos no último domingo publicava na internet notícias sobre suas participações anteriores e se vangloriava por ter batido muito nos adversários.
As brigas entre torcidas organizadas é assunto em aberto. Apontam-se soluções para ele, destacando-se a necessidade de leis severas e a aplicação de penas que sejam cumpridas. Isso talvez resolva o problema, mas faz-se necessária a análise mais profunda do tipo de falha existente na formação desses rapazes que os lança, freneticamente, no campo de lutas. Tentar resolver o problema na base evitando a formação de novos torcedores/lutadores/baderneiros talvez seja o único modo de colocar fim a esses lamentáveis episódios.
O estigma da violência
Em hospital do Distrito Federal um travesti aidético, irritado com a demora para o atendimento de um colega, apropriou-se de uma seringa e retirou seu próprio sangue. Em seguida gritou no corredor, picou com a seringa a enfermeira-chefe e mordeu uma funcionária. As duas mulheres receberam o coquetel de medicamentos contra AIDS e não correm o risco de ser infectadas.
A notícia se perde entre outras notícias policiais, crimes violentos e terríveis como esse, ainda não esclarecido, da advogada que foi jogada com seu carro numa represa em Nazaré Paulista. De tal forma nos habituamos à ocorrência de atos violentos que eles passaram a fazer parte do cotidiano como algo que nos revolta, mas sem remédio.
Entretanto, é de se imaginar o horror de um homem armado com uma seringa na qual existe um vírus causador de doença ainda sem cura. As causas que levaram esse homem ao ato extremo, sua história pregressa e a descabida ação por ele praticada fogem ao espectro das ações esperadas para seres humanos. Talvez o desvario sirva para amenizar um pouco o ato do aidético que em determinado momento insurgiu-se contra pessoas inocentes, tentando inoculá-las com um mal que as faria sofrer durante o resto de suas vidas.
Nenhuma pena que ao travesti seja aplicada – aliás, necessária e impositiva - reduzirá a miséria da situação em que ele e outras pessoas se envolveram.
Violência contra crianças
É assustador o volume de notícias de violência contra crianças. Diariamente tomamos conhecimento sobre crianças vítimas de espancamentos. São menores indefesos que ficam à mercê do sadismo de adultos cujas razões profundas nem sempre são claras. Como sempre acontece nesses casos os espancadores negam o seu feito e atribuem as marcas da violência a acidentes absurdos. Ontem mesmo foi preso um homem que batia muito num menino de cerca de dois anos de idade. O menino apanhou tanto que teve ruptura de órgão interno, sendo submetido à cirurgia. A explicação? Ora, trata-se de criança muito ativa que vive se batendo em tudo. Como isso tencionava o espancador explicar os olhos roxos, as equimoses e o péssimo estado de saúde da vítima.
Análise mais profunda do que move pessoas a crime tão hediondo é assunto pertinente a psicólogos e psiquiatras. São eles os mais aptos a observar em cada caso os desvios mentais que levam alguém a agir violentamente contra menores, descarregando neles toda sorte de desequilíbrios e insatisfações. Entretanto, vale lembrar que não a muito tempo a cultura educacional em nosso país era mais voltada para a pancadaria que ao diálogo.
Às vezes falo sobre esse assunto com pessoas mais jovens e elas dizem que estou inventando. Você tem alma de ficcionista – afirmam. De nada adiantam os meus protestos, nem mesmo jurar que estou falando a verdade. O fato é que nas escolas brasileiras, creio que até o final dos anos 50 e início dos 60, a pancadaria comia solta: professores desciam a mão nos alunos. Usavam as pancadas como meio de impor respeito e garantir o aprendizado que se fazia na marra.
Tive nos bancos escolares alguns mestres de triste memória. Um deles, de quem me lembro bem, era superiormente dotado na arte de punir com as mãos e acessórios como réguas, varas etc. Mas era nos punhos cerrados que residia a maior eficácia do professor. Certo dia ele demonstrou isso muito bem com um espetacular direto na boca de um dos meus colegas do qual jorraram sangue e um dente. O menino que apanhou era um sujeito adorável, um negrinho muito meu amigo, pobre de dar dó. Mas, naquele tempo, os pais não reclamavam: parece que havia consenso de que umas pauladas seriam muito úteis para colocar os meninos “na linha”.
Houve um dia em que cheguei à casa algo machucado, após receber umas e outras do referido professor. Foi a única vez que meu pai, algo alheio à educação que ficava por conta de minha mãe, revoltou-se e decidiu retribuir as pancadas ao professor. O fato é que ele não encontrou o professor na escola e dia seguinte, sabe como é, é dia seguinte e os ânimos esfriam, daí que a coisa ficou por isso mesmo.
Há alguns anos encontrei-me por acaso com um companheiro daquela época. Não é que ele me perguntou se eu conhecia o paradeiro do tal professor? Ora, haviam se passado mais de 30 anos, como eu poderia ter idéia do caminho seguido por aquele desgraçado? Acontece que o meu ex-colega não conseguira se livrar das surras que recebera do antigo mestre e continuava disposto a bater nele. Na ocasião lembrei ao ex-colega que o professor seria um velho e que ele não bateria numa pessoa assim. Ao que o meu ex-colega respondeu:
- Ele batia em mim quando eu não podia me defender. Que mal há em eu bater nele que agora que ele também não pode se defender?
Quem estudou em escolas públicas nos interiores desse Brasil é bem capaz de contar historias semelhantes. Quero dizer que espancar crianças sempre foi um “divertimento” de adultos mal-intencionados, escudando-se sob o manto da educação. Muitos deles, quando não sob vigilância, chegam à barbárie. Aliás, é a barbárie que distingue relatos sobre pancadas em escolas dos atos hediondos praticados contra menores, tão comuns hoje em dia.
Violência pela violência
Você viu as imagens de brigas e desordem nas imediações do estádio do Pacaembu após o final do jogo entre o Corinthians e o Flamengo?
Dentro do estádio correu tudo bem. Mas, a derrota do Corinthians irritou parte dos torcedores que saíram preparados para arranjar encrenca. Confusão armada, torcedores do mesmo time brigaram entre si e atacaram a polícia, atirando pedras. Em resposta vieram as bombas de efeito moral que emprestaram colorido próprio às lamentáveis cenas.
O triste foi constatar as reações de parte do público que, a todo custo, procurava safar-se da arena de luta. Pais carregando crianças chorosas no colo, senhoras assustadas, enfim torcedores pacíficos a quem é roubado o direito de frequentar estádios de futebol sem colocar em risco a si próprios e suas famílias.
Mas o que impressiona mesmo é a prática da violência pela violência. Percebe-se que acontecimentos como os de ontem nada têm de ocasional. Trata-se de pessoas que encontram prazer na prática de atos violentos e buscam o confronto, talvez como forma de realização pessoal. Parece existir nessas pessoas a necessidade imperiosa de extravasar energias negativas, daí entregarem-se a situações de alto risco com as quais, aliás, não se incomodam. A impressão que temos é que para os homens em luta não existe amanhã, nem contam as possíveis consequências. Mesmo a morte será um acidente de percurso, talvez de glorificação. É por essa razão que as áreas externas dos estádios de futebol tantas vezes assumem o papel de arenas onde feras medem forças, apenas por medir. Contribuem para a afirmação anterior as notícias de torcidas contrárias que marcam brigas pela internet. Não se trata dos jovens desajustados, contrários às normas da sociedade, verdadeiros desertores sociais como aqueles dos filmes sobre a juventude do pós-guerra, tão bem representada nos personagens vividos por James Dean. Aqui as coisas se direcionam mais para o espírito dos homens que se reúnem para medir forças e exercitar a violência, como se viu no filme “Clube da Luta”.
Os distúrbios da noite de ontem tiveram o final de sempre: uma centena de corintianos foi parar numa delegacia, após brigas, destruição de vitrines de lojas etc.; um ônibus com torcedores do Flamengo foi parado e nele foram encontradas armas, pedras, porretes e outros materiais bélicos. Por essa razão, também esses foram parar num Distrito Policial.
No fim todos voltaram para as suas casas. Muito em breve nós poderemos vê-los, mais uma vez, em ação. Não importa se o time para o qual torcem venha a ganhar o perder o seu próximo jogo. O que vale é a discórdia, a sede de luta, a paixão pelo quebra-quebra, o desafio à polícia, talvez a busca de uma forma de heroísmo cujo significado nos escapa.
Bullying
Bullying é um nome pomposo, sinal dos tempos para indicar algo que sempre aconteceu entre seres humanos. A palavra é de origem inglesa e pode ser traduzida por intimidação através de atos repetidos de violência de uma pessoa, ou grupo de pessoas, sobre outra(s).
O bullying não tinha esse nome, mas era no passado, como ainda é hoje, muito comum em escolas. No mundo escolar não é incomum o aparecimento de um valentão, carinha em geral maior e mais forte que os demais. Creio que todo mundo tenha passado por isso ou pelo menos presenciado situações decorrentes desse tipo de intimidações.
Não podendo falar pelos outros, falo por mim. A minha vida no território das intimidações começou no curso primário, atualmente conhecido como Fundamental I. Eu e um primo estudávamos na mesma escola. Ele era um tipo mirrado, pequeno demais e, talvez por isso, eu mantivesse umas superioridades infantis em relação a ele. Tais superioridades não raramente se exteriorizavam numas pancadas aplicadas nele sem outro motivo que não o de impor algum tipo de hierarquia e respeito. Creio que a situação durou cerca de um ano: eu batendo, ele apanhando.
Aí vieram as férias e eu deixei de me encontrar com o meu saco de pancadas. Entretanto, durante as férias, algo terrível deve ter acontecido porque, no retorno às aulas, eis que o meu primo reapareceu crescido e forte. Na nova condição a primeira providência dele foi encher-me de umas boas pancadas, revertendo-se de imediato a antiga hierarquia.
Apanhei do meu primo cerca de um ano, sem chances de revide porque ele tornara-se mais forte. Eu tinha verdadeiro horror de encontrá-lo e sabia que ele estaria me esperando na saída da escola para me devolver as surras que recebera no passado. Bullying, é assim que estão chamando a isso agora, não?
O que aconteceu depois de um ano apanhando? Ora, eu também cresci e, quando ficamos pareados em tamanho e força, achamos melhor nos lembrarmos de que éramos parentes e, a partir daí, nos unimos contra os perigos do mundo que incluiam crianças maiores cheias de agressividade. Nem por isso, nem em nome das aventuras de meninos, nós dois nos tornamos pessoas agressivas e briguentas. No fim viramos dois sujeitos pacíficos, desses para quem a violência não passa de uma grosseira falha dentro do universo das virtudes.
Acaba de ser noticiado que uma personagem importante está sento vítima de bullying. Quem? Ora, nada menos que a princesa Aiko, de 8 anos, filha única do herdeiro do trono do Japão. Pois a menina-princesa não quer mais ir à escola porque está se sentindo ameaçada. Bullying puro, sem mistura, portanto. Em face disso, a família imperial pediu providências à escola que se apressou em descaracterizar a pressão dos meninos sobre a princesa, dizendo que ela sofreu um encontrão fortuito com os garotos correndo, por isso está com medo.
E agora? Ah, as coisas se resolverão, afinal trata-se de uma princesa. Já pessoas como eu, gente sem lastros imperiais, sempre estarão à mercê de bullyings. Aliás, hoje em dia existe nas ruas um imenso bullying que nos causa medo, dores de estômago e noites de insônia. Ele é provocado por crianças que cresceram na marginalidade e se tornaram homens e mulheres violentíssimos, capazes de atos terríveis. Há quem os chame de marginais, bandidos, meliantes etc. Eu prefiro alcunhá-los como desumanos.
Um mundo de estranhos
Vive-se numa época de estranhamentos. Nem se trata do velho “cada um por si”. A complexidade da vida cotidiana gera estranhos em plano superior ao simples “pessoa que não conhece a pessoa”.
Dirão que sempre foi assim. Pode-se retrucar dizendo que, entretanto, a urbanidade está em linha descendente, talvez irreversível. O fato é que valores como a própria urbanidade e a solidariedade vão deixando de existir. Existe, sim, a solidariedade gerada por fatos de grandeza maior que provocam comoção pública. O terremoto do Haiti gerou uma onda de solidariedade bastante real, traduzida no envio de gêneros e assim por diante. Nas enchentes sempre se sobressai alguém disposto a resgatar pessoas isoladas e em perigo. Nesses casos, fala mais alto o sentimento de humanidade, a necessidade de participar de algo que reconduza a vida geral aos seus padrões de normalidade.
Entretanto, que dizer em relação às coisas miúdas, aquelas em que se torna tão mais simples passar ao largo para que não exista envolvimento? Por que testemunhar em relação a algo que se presenciou por acaso e que não se relaciona conosco? Por que exercer essa forma de cidadania que em geral nos traz mais problemas que os que já temos?
Não digam que é fácil. Eu, por exemplo, escrevo esse texto porque certa imagem não me sai da cabeça. Dias atrás, cerca de onze horas da noite, passava eu, de carro, por uma grande avenida de São Paulo. Eis que, de repente, vi na ilha que separa os dois lados da avenida, uma moça gritando, desesperadamente. Pelo jeito ela sofrera algum tipo de agressão, talvez um ladrão tivesse levado a sua bolsa, como saber? Quero dizer que a cena durou poucos segundos: havia muito movimento, era impossível parar ali, talvez até perigoso em não se sabendo a natureza da ocorrência que levara a moça ao desespero.
Cheguei em casa incomodado. Eu não fizera nada a respeito. Na verdade não me ocorrera nenhuma déia sobre o que fazer, talvez uma ligação para o 190, sei lá. Poderia ter parado uns dois quarteirões à frente e voltado? Mas, numa cidade tão violenta e àquelas horas da noite? Depois, eu não estava sozinho, poderia comprometer a segurança da pessoa que estava comigo. Mas e ela lá, sozinha, gritando? E se fosse a minha filha, eu não consideraria uma grande desumanidade ninguém tê-la ajudado?
Prós e contras. Justificativas. A cidade grande despersonaliza, gera contextos nos quais nos abrigamos para sobreviver. Evitamos entrar no mundo dos outros, esses estranhos, tão estranhos como nós mesmos.
No fim ficou a imagem da mulher gritando. A rapidez da cena que presenciei não me permite falar a respeito de seu rosto, nem mesmo a cor da roupa que vestia. Só sei que era uma mulher, aparentemente moça e que usava um vestido. Estendia os braços pedindo socorro, gritando. Foi assim que ela ficou lá. É assim que vai viver para sempre na minha memória ao lado de um grande ponto de interrogação sobre ela, sobre mim, sobre a cidadania.
Treinamento para fuga
Numa roda de pessoas conhecidas a conversa gira sobre violência e chega-se à conclusão de que só nos resta rezar para que nada nos aconteça. Cada qual fala sobre pelo menos um crime recente, revelando espanto sobre a ousadia dos bandidos e a ineficácia dos mecanismos de proteção individual e coletiva. Por trás de toda a conversa existe a certeza de que o mal é rotina sem que os que o praticam sintam-se culpados. Uma criança atira e mata pessoas, maquinalmente, como num jogo. O criminoso é um cidadão amoral e isso diz tudo.
A certa altura alguém se posiciona contra os indultos, aquela história dos presos serem liberados para visitar as suas famílias com data estabelecida para retorno ao presídio. O fato é que muitos não voltam e boa parte sai da prisão para praticar novos crimes durante as “férias” que lhes foram concedidas. Argumentos contrários a isso não surtem efeito: os presentes endossam a opinião de que os indultos são absurdos, favorecendo o aumento do número de criminosos nas ruas e, potencialmente, o perigo para a população.
Mas o que mais escandaliza aos presentes é a notícia de que, na Bahia, existe um presídio no qual os detentos são treinados para fugir. Obviamente, existe uma explicação para o fato: o presídio, com capacidade pra 250 detentos, foi construído numa área entrecortada pelos dutos do Pólo Petroquímico de Camaçari, a 30 km de Salvador. Trata-se de uma área na qual, em caso de emergência, há necessidade de evacuação em 10 minutos. Por essa razão, os presos são orientados sobre rotas de fuga e existe a obrigatoriedade de abertura eletrônica dos portões para que eles possam sair caso ocorra emergência.
De nada adianta explicar que o presídio destina-se somente a presos em regime semiaberto. A construção do presídio, a apenas 400 metros dos dutos, é considerada absurda. E por mais que as pessoas se esforcem ninguém se convence da utilidade de uma prisão onde detentos recebem orientações para fugir.
- Só no Brasil, afirma um rapaz.
Não sei não. O mundo anda tão louco que talvez esse tipo de coisa aconteça também em outros países. Pode não ser coisa só nossa.