Arquivo para ‘violência contra crianças’ tag
Umas boas varadas…
Certamente casos de violência crescente contra crianças têm levado ao desuso das tais “boas palmadas” e as surras com varas de marmelo. Hoje em dia falar em surra com vara tornou-se razão de protestos e condenações. A educação prescinde de violência ainda mais num mundo em que os atos violentos ocorrem a todo instante e nos assustam. Ontem mesmo um amigo me relatou incidente acontecido com ele no trânsito no qual sua vida esteve por um triz. Ia ele numa travessa de rua mais movimentada quando foi fechado por uma moto. Para não atropelar o motociclista, viu-se o amigo obrigado a jogar, repentinamente, o carro na avenida principal, inadvertidamente fechando um carro que vinha por ela. Por sorte não houve colisão, mas o motorista do carro desceu com uma arma em punho, jurando que ia matar o meu amigo. O fato só não veio a ocorrer porque a mulher do motorista armado pôs-se a chorar, implorando ao marido para que não atirasse. Violência absurda, desnecessária, que poderia ter culminado em assassinato.
Este texto tema finalidade de dizer que, entretanto, até a alguns anos, apanhar durante a infância fazia parte do “método” de educação adotado por pais e instituições escolares. Eu mesmo, quando menino, tomei pancadas a valer. No meio primeiro dia de escola - tinha sete anos de idade - fui recebido com uma palmatória: estendia-se a mão e o professor mandava uma grossa régua com toda força nela, deixando um vergão cuja dor demorava a desaparecer. Isso sem falar nos cascudos, tapinhas e tapas, beliscões e até umas boas varadas. Isso em casa e na escola.
O que me pergunto é se eu teria sido alguém diferente, pior ou melhor, caso não tivesse passado por aquelas sessões educativas tão comuns no passado. De todo modo não creio que o uso da violência contribua para aprimorar o caráter ou a educação de crianças mesmo as consideradas mais difíceis.
Escrevo sobre isso porque vez ou outra o assunto é noticiado com muita visibilidade, despertando opiniões diversas. Hoje, por exemplo, noticia-se que uma criança de 12 anos levou para casa um bilhete de sua professora no qual aconselhava aos pais umas cintas e varadas para educá-la. A família reagiu dizendo que a criança sofreu bullying. A ver no como essa história vai terminar.
As minhas palmadas
Por favor, deixem as minhas palmadas intocadas. Elas vieram das mãos de minha mãe, já falecida. Teve ela, para dá-las, as suas razões, com as quais certamente não concordei ao recebê-las.
É preciso considerar que as mãos de minha mãe traziam, nas palmadas que tão precisamente aplicavam, a tradição e a cultura de tempos pregressos, habilitadas em formar homens. Eram mãos que buscavam não pecar pelo exagero, baseando-se num conceito de justiça certamente elementar, mas eficiente.
Lembro-me que, por ocasião do enterro de minha mãe, no instante em que fecharam o caixão, a última coisa que vi dela foram justamente as suas mãos que, finalmente, repousavam sobre o corpo esquálido, consumido pela longa doença. Mãos imóveis que se despediam do mundo com a certeza de dever cumprido, de tradição repassada, de geração continuada.
Mas, repito, por favor, deixem as minhas palmadas intocadas. Elas me pertencem e constituem-se numa ligação perene com minha mãe e os princípios com que ela me criou, os quais têm norteado a minha vida. Não faço o pedido em vão: acabam de aprovar uma lei proibindo as palmadas. A lei foi assinada pelo próprio presidente da Republica e certamente proposta por gente entendida em educação, com a intenção de coibir tantas violências que se cometem contra crianças.
Não há como discordar da lei que condena as palmadas, afinal lei é lei e o governo deve saber bem o que está fazendo.
Todo mundo sabe que qualquer lei só passa a valer depois de promulgada, daí não ter efeito retroativo. Entretanto, a lei das palmadas me parece uma daquelas estabelecidas para corrigir erros anteriores que não podem continuar acontecendo. Se assim for, pelo menos em conceito, a minha mãe terá agido errado e com isso não posso concordar.
Portanto, ao pedir que deixem as minhas palmadas intocadas, estou cumprindo um dever de cidadão e filho. Solicito, também, um adendo à lei, qual seja o de isentar de erro as milhares de mães brasileiras que, ao longo da história do país, fizeram de tudo para educar as suas proles.
Peço isso pela memória da minha mãe, por aquelas mãos que me abriram tantos caminhos.
Violência contra crianças
É assustador o volume de notícias de violência contra crianças. Diariamente tomamos conhecimento sobre crianças vítimas de espancamentos. São menores indefesos que ficam à mercê do sadismo de adultos cujas razões profundas nem sempre são claras. Como sempre acontece nesses casos os espancadores negam o seu feito e atribuem as marcas da violência a acidentes absurdos. Ontem mesmo foi preso um homem que batia muito num menino de cerca de dois anos de idade. O menino apanhou tanto que teve ruptura de órgão interno, sendo submetido à cirurgia. A explicação? Ora, trata-se de criança muito ativa que vive se batendo em tudo. Como isso tencionava o espancador explicar os olhos roxos, as equimoses e o péssimo estado de saúde da vítima.
Análise mais profunda do que move pessoas a crime tão hediondo é assunto pertinente a psicólogos e psiquiatras. São eles os mais aptos a observar em cada caso os desvios mentais que levam alguém a agir violentamente contra menores, descarregando neles toda sorte de desequilíbrios e insatisfações. Entretanto, vale lembrar que não a muito tempo a cultura educacional em nosso país era mais voltada para a pancadaria que ao diálogo.
Às vezes falo sobre esse assunto com pessoas mais jovens e elas dizem que estou inventando. Você tem alma de ficcionista – afirmam. De nada adiantam os meus protestos, nem mesmo jurar que estou falando a verdade. O fato é que nas escolas brasileiras, creio que até o final dos anos 50 e início dos 60, a pancadaria comia solta: professores desciam a mão nos alunos. Usavam as pancadas como meio de impor respeito e garantir o aprendizado que se fazia na marra.
Tive nos bancos escolares alguns mestres de triste memória. Um deles, de quem me lembro bem, era superiormente dotado na arte de punir com as mãos e acessórios como réguas, varas etc. Mas era nos punhos cerrados que residia a maior eficácia do professor. Certo dia ele demonstrou isso muito bem com um espetacular direto na boca de um dos meus colegas do qual jorraram sangue e um dente. O menino que apanhou era um sujeito adorável, um negrinho muito meu amigo, pobre de dar dó. Mas, naquele tempo, os pais não reclamavam: parece que havia consenso de que umas pauladas seriam muito úteis para colocar os meninos “na linha”.
Houve um dia em que cheguei à casa algo machucado, após receber umas e outras do referido professor. Foi a única vez que meu pai, algo alheio à educação que ficava por conta de minha mãe, revoltou-se e decidiu retribuir as pancadas ao professor. O fato é que ele não encontrou o professor na escola e dia seguinte, sabe como é, é dia seguinte e os ânimos esfriam, daí que a coisa ficou por isso mesmo.
Há alguns anos encontrei-me por acaso com um companheiro daquela época. Não é que ele me perguntou se eu conhecia o paradeiro do tal professor? Ora, haviam se passado mais de 30 anos, como eu poderia ter idéia do caminho seguido por aquele desgraçado? Acontece que o meu ex-colega não conseguira se livrar das surras que recebera do antigo mestre e continuava disposto a bater nele. Na ocasião lembrei ao ex-colega que o professor seria um velho e que ele não bateria numa pessoa assim. Ao que o meu ex-colega respondeu:
- Ele batia em mim quando eu não podia me defender. Que mal há em eu bater nele que agora que ele também não pode se defender?
Quem estudou em escolas públicas nos interiores desse Brasil é bem capaz de contar historias semelhantes. Quero dizer que espancar crianças sempre foi um “divertimento” de adultos mal-intencionados, escudando-se sob o manto da educação. Muitos deles, quando não sob vigilância, chegam à barbárie. Aliás, é a barbárie que distingue relatos sobre pancadas em escolas dos atos hediondos praticados contra menores, tão comuns hoje em dia.