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Morte na torcida
Já não vou a campos de futebol. Vez ou outra meu filho, são-paulino roxo, me convida para o Morumbi por ocasião de jogos importantes do São Paulo. Se bem me lembro há dois anos assisti a um jogo lá, isso depois de muito tempo sem ir a estádios.
Quero dizer que uma das delícias desta vida é torcer pelo time do coração durante jogos dele em seu próprio estádio. Há todo um ritual a seguir que culmina no momento em que, finalmente, o torcedor senta-se e se prepara para as emoções que seguirão. Por que futebol é improviso, emoção, sedução pelo belo, atração mágica pelas peripécias da bola comandada por jogadores hábeis. Há nesse embate em torno da bola o mistério do não acontecido, do não resolvido, do que pode resultar num gol e provocar a explosão da massa ululante. Paixão das paixões o futebol mexe com o de dentro da alma, despertando fúria, alegrias, tristezas, quando não prazeres genuínos que brotam de sensações antes intocadas. Ninguém sabe o que se seguirá nos próximos segundos de um jogo daí seguirmos atônitos o encantamento a que somos submetidos pelas ações dos jogadores e movimentos da bola. Por isso tudo e muito mais a grande ópera do futebol nos seduz e anima, ainda quando vergastados pelas derrotas inaceitáveis diante de nossos maiores rivais.
Entretanto, o mundo mudou, as pessoas mudaram e parte delas vai aos estádios não para viver a paixão pelo time para o qual torcem, mas para externar o que há de pior em seus instintos mais baixos, nisso o berço da violência que extravasa e supera a tensão do jogo, tantas vezes provocando vítimas.
Não vou dizer que no passado não existia violência nos estádios. Presenciei grandes atritos entre torcidas rivais geradas pelo descontrole emocional de torcedores muitas vezes embalados pelo álcool. Mas, era diferente dessa loucura animalesca que hoje leva grupos de torcedores rivais a marcarem encontros para brigar, gerando-se verdadeiras batalhas nas quais não raramente chega-se à perda de vidas. Tudo acertado através da internet em dias de jogos, em locais próximos a estádios, durante as partidas ou até mesmo após o final dos jogos.
Como se vê, não existe segurança nos estádios e torna-se aventura ir a jogos de futebol. Impossível imaginar que um cidadão de bem cuja intenção é a de assistir a um bom jogo sinta-se seguro ao sair de casa para dirigir-se ao estádio. Talvez seja isso que se passa agora pela cabeça do pai que perdeu o filho ontem ao ser atingido por um sinalizador durante uma partida de futebol. Aconteceu durante o jogo do Corinthians contra o San Jose, na Bolívia. Um torcedor do Corinthians fez uso de um sinalizador que atingiu um boliviano que veio a falecer ainda no estádio. Era uma menino de 14 anos de idade e a morte dele vem provocando comoção e muita indignação.
Agora buscam-se culpados, mas nada devolverá aos pais o filho que perderam - bestamente, é bom que se diga. Em todo caso talvez mais essa morte sirva de alerta para que atitudes mais efetivas sejam tomadas no sentido de coibir a violência hoje tão comum em partidas de futebol.
Agressões ao São Paulo FC
Futebol é paixão. Entretanto, nem tudo se justifica sob a desculpa de paixão. Paixões podem transformar-se em ódio, transbordando em atitudes pueris e inconsequentes. As agressões de dirigentes corintianos ao São Paulo Futebol Clube passaram do limite, são irresponsáveis e podem ter consequências terríveis. Dirigentes de grande visibilidade pública, atrás dos quais existe uma enorme massa de torcedores, não podem alimentar rivalidades extracampo, fomentando possíveis retaliações de ambos os lados. Estivéssemos numa sociedade perfeita, absolutamente controlada e livre de violências, os pronunciamentos dos dirigentes corintianos poderiam até ser tomados como piadas de pessoas menos preparadas para os cargos que ocupam. Não é o caso do Brasil, infelizmente, Brasil violento que os dirigentes parecem desconhecer por completo.
A coisa chegou a um ponto em que o próprio presidente do Corinthians declarou-se culpado, concordando que as provocações passaram do limite. Infelizmente esse tardio reconhecimento não surtiu efeito nos escalões inferiores da administração corintiana. Ontem, durante evento de marketing no Corinthians, um dirigente do clube chamou o Morumbi de “panetone” e os são-paulinos de “torcida de final”. Sobre o Morumbi o dirigente também disse que o “estádio é uma banheira de ofurô ou bolo ou panetone, que depende de ter fruta ou não”. As agressões do dirigente, lamentavelmente, estenderam-se a outros clubes.
É pena. São-paulinos e corintianos são antigos rivais e sempre foi uma delícia alimentar a rivalidade com coisas do futebol. Os grandes clássicos do passado estão vivos nas memórias dos torcedores das duas equipes. O Corinthians campeão do quarto centenário, o São Paulo campeão de 1957 em memorável jogo contra o Corinthians, nomes como os de Zizinho, Canhoteiro, Luisinho – o pequeno polegar corintiano – e inúmeros outros fazem parte de uma galeria maravilhosa para aqueles que amam o verdadeiro futebol.
Seria bom se os atuais dirigentes dos grandes clubes dessem uma olhada no que veio antes deles, nas glórias de suas equipes em várias épocas. Talvez assim agindo repensassem em coisas como respeito e responsabilidade. Não se pode jogar a tradição às feras e assistir sem culpa o embate de novos gladiadores movidos por discursos intolerantes.