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As novas mídias
Mande notícias do mundo de lá – diz a música de autoria Milton Nascimento e Fernando Brant. Notícias chegam, impactam, envelhecem e passam. Em curto período de tempo fomos bombardeados pela queda do Airbus no vôo 447, a crise do Irã, a crescente corrupção do Congresso brasileiro, a morte de Michael Jackson e milhares, milhares de outras notícias menores que dançam nas páginas de jornal e revistas além de ocuparem enorme espaço nos sites da Internet.
Dos jornais que chegavam da Europa através de navios às velozes notícias trazidas pelo cabo submarino no século XIX, pulamos para a instantaneidade dos meios de comunicação atualmente verificada. Mais interessante é o fato de as mídias disponíveis abalarem o monopólio de informações até agora de posse de grandes empresas de comunicação ou mesmo governos. O caso do Irã onde, apesar da restrição governamental, notícias e fotos sobre a crise são divulgadas por pessoas comuns, via Twitter ou outros meios, é só mais um na nova história que está sendo escrita sob o ponto de vista de observadores não credenciados.
De repente, acontecimentos nos são mostrados por informantes ocasionais que muitas vezes se limitam à transmissão pura e simples de fatos, sem crítica e até mesmo sem grande envolvimento. A febre da fotografia digital, a possibilidade de filmar qualquer pessoa ou acontecimento com um simples telefone celular e enviar o arquivo na hora sob a forma de torpedo instala uma nova fase nas relações humanas.
Não por acaso temos sido acossados por informações sobre fechamento de jornais e revistas e mesmo os livros estão sendo ameaçados por versões eletrônicas. As novas gerações estão à beira de substituir o prazer de abrir e folhear as páginas de um livro por um simples click de mouse ou o aperto de um botão.
Geram-se assim novos homens e uma humanidade que vai se distanciando de si mesma. Se isso é bom ou mau? Ao futuro pertence a resposta. Quanto a mim, só peço que não me seja tirado o prazer de ler livros impressos no bom e velho papel. Ontem mesmo reli partes daquela biografia de Charles Baudelaire escrita por Jean Paul Sartre. Esse livro pertenceu à minha família e hoje faz parte da minha pequena biblioteca. O curioso é que um seu antigo leitor deixou nas margens varias anotações sobre o texto. Esse leitor que tão bem conheci morreu há muito tempo, mas suas anotações me permitiram contato póstumo com ele. Não pude concordar com tudo que deixou escrito com sua letra miúda, mas no geral aceitei as suas ponderações.
Foi assim que nos reencontramos, eu e o falecido, alta madrugada, nas margens de um velho livro.
O uso do Kistch na tragédia do AIRBUS
As causas do acidente acontecido com o vôo 447 da Air France talvez nunca venham a ser completamente elucidadas. Há que se fazer de tudo para descobrir os fatores desencadeantes da tragédia: explicações e prevenção de novos acidentes são mais que necessárias.
Enquanto aviões, navios e submarinos procuram corpos e destroços no mar o assunto continua palpitante, atraindo a atenção pública. Até aí tudo normal e dentro do esperado sobre um fato que causou enorme comoção pública.
O que não se entende é a necessidade de divulgação de certos detalhes que mais parecem veiculados para delimitar com precisão o quadro de horror vivido pelos passageiros em seus últimos instantes. Se existem razões para se divulgar a hipótese de que os passageiros teriam sido lançados no espaço não dá para entender a necessidade de detalhar o que daí por diante teria acontecido a eles. Descrições do avião se rompendo, corpos lançados no espaço, múltiplas fraturas e, ainda, cadáveres encontrados sem pernas e braços só servem para aumentar a dor de familiares e pessoas próximas aos acidentados.
Talvez pior que isso sejam algumas manifestações que circulam pela internet, manifestações de pesar é verdade, mas muitas vezes impróprias, quando não de extremo mau gosto.
Esse é o caso de uma exibição de slides na qual se faz a remontagem fotográfica dos últimos momentos de vida de um dos passageiros do vôo 447. O interessante é que é ele, o passageiro desaparecido, que nos fala descrevendo todos os acontecimentos ocorridos desde o início da malfadada viagem a Paris.
A narrativa começa com imagens do avião levantando vôo, segue com o avião entre as nuvens, os passageiros são mostrados sentados no avião e chega-se ao momento do desastre: então o céu se torna nublado, há raios e o avião se precipita. A imagem seguinte é a do mar que espera o avião que com ele vai colidir. A partir daí o narrador descreve a sua passagem para o outro mundo, suas impressões e o seu encontro com Jesus na placidez de um banco de jardim. Há também imagens da face do passageiro tendo como fundo a cidade de Paris que ele não chegou a conhecer porque morreu no acidente.
Que não me perdoe o idealizador dessa história não comovente, mas a sua boa vontade e solidariedade converteu-se num puro exercício de Kistch, enfim, de mau gosto.
- Existem limites, existem limites - repetia um filósofo cujo nome me escapa e que talvez nem tenha existido.