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Para que nunca nos esqueçamos
Penso que os detratores da História fiquem bastante incomodados com celebrações de fatos importantes do passado. Há cerca de dois anos presenciei discussão entre dois historiadores sobre a importância da investigação do passado. Para um deles, seguindo parte da historiografia francesa, o que importa são os vastos períodos históricos sendo inútil a perda de tempo com acontecimentos pontuais; o outro era mais favorável à pesquisa documental e à imersão em fatos cotidianos que, segundo dizia na ocasião, revelam-se verdadeiros termômetros de épocas.
De todo modo o fato é que estamos vivos e não conseguimos nos livrar dos mortos e daquilo que fizeram. Tal impressão tive ontem ao assistir às celebrações, em Berlim, da queda do muro que dividia a cidade em dois blocos físicos e ideológicos. Chovia muito, mas o povo alemão não se furtou a sair às ruas para rememorar um momento marcante da sua História. Ressalte-se que em relação ao Muro de Berlim muitas das personagens que dela participaram estão vivas. Mas, a Alemanha é a Alemanha e se existe um país cujo passado integra-se ao cotidiano do presente é justamente esse. De fato, não há como interromper um continuum de fatos que ainda hoje são relevantes embora distanciados no tempo quanto à sua ocorrência. Basta citar o nazismo e mesmo a ainda imperfeita integração dos antigos Blocos Ocidental e Oriental do país para ilustrar o que acabamos de dizer.
As comemorações da queda do Muro de Berlim realizadas na noite de ontem foram emocionantes. Elas representavam o fim de uma época, de um modo de ser e pensar, de engajamentos ideológicos comprometidos com apenas duas vertentes: capitalismo e comunismo. Elas nos fizeram lembrar tempos mais soturnos, posturas rígidas e atmosferas ameaçadoras que, vez por outra, descambavam para o território de perigo de ocorrência de uma hecatombe universal. Elas sepultavam a era dos telefones vermelhos interligados entre Washington e Moscou, os tão temidos telefones vermelhos dos quais dependia a sorte do mundo.
Por isso, quando Lech Walesa empurrou a primeira peça de isopor do dominó que representava o Muro, foi como se presenciássemos um momento de libertação da humanidade de grilhões aos quais estivemos presos durante muito tempo e que tanto interferiram nas nossas vidas. Daí a emoção, a sensação de que mesmo à distância fazíamos parte do acontecimento celebrado, tratava-se de um grito contra tudo o que é demasiadamente restrito, um grito que ecoou fundo nas nossas almas e nos comoveu, intensamente.