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Do WikiLeaks para você
No fim das contas acho que devemos ser muito gratos ao WikiLeaks. A verdade é que o ano ameaçava terminar num grande marasmo, sem grandes coisas para discutir e comentar. Aí apareceu o Julian Assange, figurinha difícil, que nos fez o favor de distribuir na praça meia tonelada de informações secretas, a maioria delas, convenhamos, totalmente inútil.
Assange só não cobra direitos pelos dados que expõe porque são roubados. De outro modo, o sueco poderia até pensar no caso dado que forneceu à imprensa mundial e a todos os escribas de plantão inesgotável material para análises, comentários etc. No mínimo, passa a existir uma enorme dívida de gratidão em relação a esse sueco sobre o qual pouco se sabe, exceto que publica dados roubados e não gosta de usar camisinha em suas relações carnais.
Como não poderia deixar de ser, dois blocos antagônicos se formaram em relação ao WikiLeaks, ambos sem deixar de fazer uso gratuito do material fornecido por Assange. De um dos blocos fazem parte os críticos do WikiLeaks, gente que professa a divulgação responsável de informações, achando que pagam-se enormes dividendos em relação à porralouquice informativa. Nada a ver com censura, dizem, mas com responsabilidade. Essa turma é a mesma que admite a existência de um órgão de controle da mídia que a organize embora temam o uso indevido do mesmo órgão pelo governo que será empossado no início do ano. Por uso indevido entenda-se a censura e a ingerência nos meios de imprensa livres esse, aliás, velho sonho de uma linha stalinista infiltrada na cúpula do atual partido de situação.
O segundo bloco é formado pelos que aplaudem toda e qualquer divulgação de dados. Defendem eles o direito do público à informação, doa ela a quem doer. São refratários a todo tipo de censura e não admitem a criação de órgão de controle sobre a imprensa. Para eles Julian Assange é um herói, fazendo jus ao título de homem do ano que recebeu no exterior.
No meio disso há toda sorte de penetras que coabitam um ou outro grupo conforme interesses pessoais. Destacam-se, entre eles os antiamericanistas que babam de alegria pelo ataque ao império do norte. Pessoas que jamais se pronunciaram contra os descalabros cometidos contra a imprensa em países como Cuba e Venezuela de repente manifestam-se como arautos da liberdade de imprensa e saúdam o WikiLeaks. Entre eles está o presidente da República do Brasil: ele, mais que depressa, embarcou no grupo que professa liberdade total e irrestrita dos meios de comunicação.
Outra divisão interessante diz respeito aos efeitos provocados pelas informações até agora divulgadas pelo WikiLeaks. Há quem não veja nada de novo nelas, dado que refletem o submundo mais que esperado das relações internacionais. Para esses, o que se divulga fica a nível de fofocas, nada influindo nas relações entre países. Outros discordam desse ponto de vista, realçando o valor das informações que, na opinião deles, põe a nu o modo de gerir o mundo. Como exemplo citam o que teria sido a divulgação dos passos norte-americanos durante a Guerra do Iraque: certamente o conhecimento público de ações norte-americanas evitaria muitas tragédias acontecidas naquele país.
Disso tudo apenas uma coisa é absolutamente certa: as informações existem e estão sendo divulgas, independentemente do juízo que se faça delas. Mais: Assange promete a divulgação de documentos mais bombásticos em futuro próximo. Enquanto isso veja aí se você se enquadra em algum grupo de opinião sobre o WikiLeaks. Caso tenha dívidas sobre os modos de pensar a respeito do assunto, leia os jornais, os de hoje por exemplo. Tudo isso que está escrito acima está, de uma ou outra forma, dito em textos diferentes ditados pela opinião dos articulistas. Aliás, esta é uma boa ocasião para se constatar o favor que Assange está prestando à imprensa, qual seja o de municiá-la com informações que sirvam à produção de textos, isso a perder de vista.
WikiLeaks
Meu caro amigo há coisas sobre as quais fica difícil realizar um juízo perfeito. Em primeiro lugar é bom lembrar que caras como eu e você pensamos – só pensamos – que as nossas opiniões são bem formadas e isentas de contaminação alheia. É bom achar isso, raciocinar assim, dá-nos uma imensa sensação de liberdade, individualidade e poder de escolha. Acontece, porém, que gente como nós vive de informações e opiniões terceirizadas. Você bem sabe que nós não temos acesso a fontes primárias de informação, não presenciamos fatos significantes, não estamos presentes em momentos decisórios e mesmo a imagem que fazemos de pessoas públicas é acompanhada de traços de opiniões de outras pessoas. Enfim, a nossa opinião é, quase sempre, “mediada pela mídia”.
Sei muito bem que refletir sobre isso é muito desagradável. Aliás, existe uma vigorosa contrapartida a tudo o que está sendo dito: bem, se não fosse assim, como seria? Pois é, não tem outro jeito, para isso existem jornalistas, comentaristas e toda sorte de gente cuja atividade consiste em mostrar o que acontece, sempre sob determinada óptica que muitas vezes nem é a deles mesmos, mas das empresas em que trabalham. Só para ficar num exemplo, veja aí o atual empenho dos meios de comunicação em mostrar a guerra contra o tráfico no Rio, cobertura quase toda isenta de críticas, exceto poucas vozes que agora começam falar em excessos e corrupção como a facilitação de fugas de bandidos mediante pagamento. Pelo amor de Deus, não estamos contra a invasão dos morros, na verdade estamos eufóricos com o fato de finalmente o Estado ter encarado o problema do modo como está fazendo agora. Aliás, por que não agiram assim antes?
Ditas essas coisas - e outras de que nem é preciso falar - pergunto: que pensar sobre esse tal de WikiLeaks? De repente, os carinhas do WikiLeaks, dissidentes de várias nacionalidades, publicam pilhas de documentos sigilosos, abrindo o jogo sobre negociações, acordos, fofocas e tudo o mais que rola entre os representantes políticos de vários países. Eles abrem a Caixa de Pandora sem a menor cerimônia, doa a quem doer. Imediatamente surgem protestos, países em guerra ou em disputa por qualquer coisa protestam porque certos documentos colocam em risco a segurança de exércitos e por aí vai. Quanto a nós, que impressão nos fica sobre assunto tão controverso?
Deixando de lado o jogo que envolve a liberdade de expressão e outros valores tão caros à civilização – em geral não praticados, mas tão importantes – o fato é que, para o bem ou para o mal, trata-se de uma rara ocasião em que a informação tende a chegar até nós, pobres mortais contribuintes do Estado, sem mediação. Ficamos sabendo, por exemplo, que o Ministro da Defesa do Brasil revelou aos EUA que Evo Morales tem um tumor na cabeça. Aqui no nosso mundinho isso mais parece fofoca, mas os grandalhões terão as razões deles para valorizar informação dessa ordem, quem sabe prevendo como influir na vida dos bolivianos, caso a doença do presidente se agrave. Também somos informados de que os EUA criticam duramente a estratégia de defesa do Brasil: para os irmãos do norte o submarino nuclear da Marinha brasileira não passa de um elefante branco. Coisas como essas talvez não sejam tão importantes, mas estão documentadas. São, portanto, os documentos que estão a falar conosco e não pessoas que expressam suas opiniões sobre o conteúdo deles.
Não sei o que você acha disso. O WikiLeaks promete a divulgação dos quase 250 mil documentos sigilosos pirateados por um jovem soldado nos arquivos do governo norte-americano. Tem gente por aí morrendo de medo de que certas inconveniências sejam reveladas. Segredos de Estado como reservas de urânio, acordos para invasão de países etc têm vindo a público, mas o WikiLeaks promete muito, muito mais.
O império norte-americano está sendo posto a nu pelo WikiLeaks. Das consequências disso, para o bem ou para o mal, só saberemos após tudo ser divulgado.