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Paisagem de fim do mundo
Após o retorno de um amigo de viagem ao Paraguai perguntei a ele sobre aquele país. Respondeu-me que se trata de outra realidade na qual o capitalismo esmerou-se em desigualdades. Segundo ele, mesmo na capital as diferenças sociais são muito visíveis sendo que no geral, predomina a pobreza.
É verdade que esses comentários se aplicam às cidades latino-americanas em geral. Não será São Paulo um típico exemplo da multiplicidade étnica brasileira acompanhada dos comemorativos pertinentes às diferentes categorias sociais? Claro está que a diferença reside na grandiosidade de uma cidade como São Paulo onde a riqueza de grandes avenidas e prédios como que suborna os nossos sentidos fazendo-nos olvidar a pobreza reinante nas periferias. Isso representa que as impressões sobre cidades dependem de certa concentração de magnitude e riqueza a encobrir todo o restante, inclusive os imensos problemas enfrentados pelas populações em seu dia-a-dia. Creio que a cidade de Maceió exemplifica muito bem esta última afirmação: a poucos metros de sua belíssima e rica orla marítima existem bairros com outras características, mais pobres e violentos. É como se a muralha de prédios defronte ao mar separasse dois mundos.
Por outro lado, é preciso lembrar que existem olhos de turistas e olhos de moradores de cidades. Não há como se negar que a beleza pode sucumbir ao hábito. O turista que vê o Rio de Janeiro pela primeira vez apaixona-se para sempre, dominado pela beleza natural da cidade. Aos habitantes que desfrutam diariamente do painel visual que lhes oferece o Rio talvez escape pelo menos parte da grande beleza, forçados que são ao hábito de presenciá-las.
Essas considerações algo desarrumadas e vagamente ligadas a aspectos urbanísticos foram despertadas, como disse no princípio, pelos comentários de um amigo sobre o Paraguai. Tais comentários também me levaram a um exercício de memória sobre viagem que fiz, há alguns anos, ao país vizinho cujo povo é muito receptivo e amigo dos brasileiros. Estava eu em Assunção e, nada tendo a fazer, resolvi participar de excursão ao interior para visitar “o lago azul de Ypacarai” de que nos fala a bela música de Zulema de Mirkin e Demetrio Ortíz. Naquela ocasião, a decepção não foi o fato do lago não ser azul; o verdadeiro problema foi o trajeto, de cerca de 50 Km, durante o qual pude presenciar realidade diferente dos quadros de pobreza a que estamos habituados.
Ressalte-se, entretanto, que meu espanto não se deveu à pobreza em si, mas às suas características. Refiro-me ao fato de o Paraguai ser o paraíso de eletrônicos e toda sorte de produtos importados. Pois bem, durante o trajeto para Ypacarai viam-se restos de materiais produzidos pelos países industrializados os quais eram utilizados pela população. Jamais me esquecerei de uma casa pela qual passamos e que tinha, em lugar de uma de suas paredes, enorme placa metálica de propaganda dos cigarros Malboro. Ali estava, naqueles ermos, o sorridente cowboy fumando um Malboro, amassado e desbotado, mas patenteando a presença da indústria norte-americana em seu momento de deterioração. À frente do cowboy, agora transformado em parte integrante de uma casa, um pouco de mato, o chão de terra, um poço e duas crianças seminuas olhando-nos de longe.
Ainda hoje me pergunto por que diabos não fotografei aquela imagem aterradora. Lembro-me de ter pensado que se um dia o mundo acabasse as paisagens seriam como aquela; que nenhum filme, a despeito de seus efeitos especiais, conseguiria reproduzir com tal precisão o colapso final da nossa civilização. Era aquela, de fato, uma paisagem de fim do mundo.